JOÃO 11

Os dois versículos com os quais este capítulo inicia indicam que este evangelho foi escrito quando os outros evangelhos já eram bem conhecidos. Ao nomear Betânia como a cidade de Marta e Maria, supõe-se que os leitores estariam mais familiarizados com as mulheres do que com a aldeia. Novamente, no versículo 2, Maria é identificada por sua ação em ungir o Senhor, embora João não nos fale sobre isso até que o próximo capítulo seja alcançado: ele evidentemente sabia que poderia identificá-la assim com segurança, já que a história era tão amplamente conhecida.
A breve mensagem enviada pelas irmãs indica muito admiravelmente a intimidade na qual o Senhor introduziu Seus amigos nos dias de Sua carne. Era uma intimidade com reverência, na qual Ele sempre ocupou o lugar supremo, pois eles não se dirigiram a Ele, com indevida familiaridade chamando-O “Jesus”, mas “Senhor”. No entanto, eles podiam com toda a confiança falar do irmão delas como “aquele que Tu amas”. Ele havia tornado a família de Betânia completamente consciente do Seu amor, para que eles pudessem contar com esse amor com confiança. Que a confiança deles não estava fora de lugar é confirmada pelo comentário do evangelista no versículo 5. Jesus realmente os amava. Ele amou cada um individualmente; e Marta, a quem poderíamos considerar que Ele tivesse menos motivos para amar, é colocada em primeiro lugar na lista. Lázaro, a quem mais manifestamente Ele amou, como mostrado neste capítulo, é colocado por último. Maria, a quem poderíamos ter colocado em primeiro lugar, seu nome sequer é mencionado; ela é apenas “sua irmã”. Aprendamos que o amor de Cristo é colocado sobre um fundamento muito mais profundo do que as variadas características dos santos. Procedendo do que Ele é em Si mesmo, é uma coisa maravilhosamente imparcial.
Apesar disso, o apelo das irmãs não encontrou uma resposta imediata. Houve um atraso deliberado, que deu tempo para a doença terminar em morte; e a morte teve tempo para produzir corrupção. Por que isso? Aqui respondemos, definitivamente, a esta questão que tão constantemente se levanta no coração dos santos. A morte não era a verdadeira finalidade deste incidente, mas a manifestação da glória de Deus e a glorificação do Filho de Deus. Foi para o bem dos discípulos, como mostra o versículo 15. Também deveria ser uma grande bênção para as irmãs que sofriam, conforme indicado pelas palavras do Senhor registradas no versículo 40. Assim, o que parecia tão estranho e inexplicável agiu para glória de Deus e para o bem dos homens. Houve uma resposta do tipo mais excelente na aparente falta de resposta da parte do Senhor.
Quando o Senhor dirigiu novamente Seus passos para a Judeia, Seus discípulos temeram, pois eles eram como homens andando no escuro, e não tinham luz em si mesmos. Mas Ele, por outro lado, era como alguém andando de dia, porque Ele estava na luz – não neste mundo na verdade, mas naquele outro mundo onde a vontade e a maneira do Pai são tudo. Por isso, Ele nunca tropeçou e agora subiu a Betânia para fazer a vontade de Deus. Os discípulos O seguiram pensando na morte, como Tomé indicou; mas Ele subiu às cenas de morte no poder da ressurreição.
A ação das duas irmãs, quando Jesus Se aproximou, foi característica. Marta, a mulher de ação, saiu ao encontro d’Ele. Maria, a mulher de meditação e afinidade, ainda estava sentada na casa, aguardando Seu chamado. Ambas, no entanto, O saudaram com as mesmas palavras quando O viram. Marta tinha fé genuína. Ela cria em Seu poder como Intercessor junto a Deus, e no poder de Deus para ser exercido em ressurreição no último dia. Sem dúvida ela era impetuosa, mas sua impetuosidade provocou um dos maiores pronunciamentos registrados. O Jeová de antigamente chamara a Si mesmo de “EU SOU”. Agora o Verbo foi feito carne, e Ele também é “EU SOU”, mas Ele completa isso em detalhes. Aqui temos, “EU SOU a ressurreição e a vida”. Como o ponto aqui é o que Ele é em relação aos homens, a ressurreição vem primeiro. A morte está sobre Adão e sua raça, portanto a vida para os homens só pode estar no poder da ressurreição.
O fato em si é duplo, e segue-se uma aplicação dupla ao crente. Se ele tiver morrido, ele certamente viverá, pois sua fé repousa naqu’Ele que é a ressurreição e, consequentemente, naqu’Ele que vivifica a vida além da morte. Mas então Jesus também é a vida, e Seu poder vivificador alcança os homens para que eles vivam “na fé do Filho de Deus” (Gl 2:20) – ou, como o Senhor coloca, aquele que “vive e crê em Mim” – então tais nunca morrerão; isto é, nunca provarão a morte em sua forma plena e própria. A casa terrena deste tabernáculo pode ser desfeita, mas a morte não é para nós; é mais um adormecimento. Toda a declaração era de uma forma um tanto enigmática e totalmente além de qualquer luz que até então havia sido concedida aos homens. Ele ainda não estava revelando a verdade quanto à Sua vinda novamente, à qual Ele Se refere quando chegamos ao início de João 14, e que é expandida para nós em 1 Tessalonicenses 4:13-18. Mas, embora não seja a interpretação primária de Suas palavras, podemos ver, quando uma vez revelada a verdade de Sua vinda, uma notável aplicação secundária delas. Em Sua vinda para os Seus santos, haverá de fato a grande demonstração pública da verdade de Suas palavras: “Eu Sou a ressurreição e a vida”.
Quando o Senhor desafiou Marta quanto à sua crença, ela imediatamente mostrou que tudo era um enigma para ela. Provavelmente ela viu a ressurreição no último dia como sendo uma restauração da vida neste mundo, que ocorreria com a massa dos judeus. Então, ao responder, ela se apoiou, muito sabiamente, sobre o que ela cria com certeza – que Ele era o Cristo, o Filho de Deus que tinha sido anunciado como vindo ao mundo. Ela já havia chegado à fé a qual este evangelho nos conduz e, portanto, possuía “vida em Seu nome”. Mas mentalmente fora de sua profundidade quanto a outros assuntos, ela começou a chamar sua irmã secretamente para ir ao Mestre.
Com Maria, existia um laço especial de afinidade. Não lemos sobre Marta caindo aos pés de Jesus, nem sobre suas lágrimas. A tristeza da morte pesava sobre o espírito de Maria muito acentuadamente, como de fato estava sobre o Seu. Embora Ele estivesse prestes a levantar esse peso por um tempo neste caso particular, sentiu esse peso em uma medida infinitamente profunda, levando-O a gemer em espírito e até mesmo a derramar lágrimas. Ele chorou, não por Lázaro, pois sabia que em poucos minutos Ele o chamaria novamente à vida, mas em compaixão com as irmãs e sentindo em Seu espírito a desolação da morte trazida pelo pecado. A palavra usada aqui é aquela para o derramamento de lágrimas silenciosas, não a palavra para lamentações audíveis, que é usada em Lucas 19:41. Mas aquelas lágrimas silenciosas de Jesus tem movido o coração dos santos entristecidos por quase dois mil anos.
A morte gerou um gemido no espírito de Jesus, e novamente (v. 38) encontramos o sepulcro fazendo o mesmo. Mas agora Ele estava prestes a trazer o poder de Sua palavra em ação e manifestação. O versículo 39 começa: “disse Jesus”. Há uma sequência de 5 versículos impressionantes neste capítulo que serviriam para resumir toda a história. Eles ocorrem nos versículos 4, 5, 17, 35, 39 – “Jesus ouviu”, “Jesus amou”, “Jesus chegou”, “Jesus chorou”, “Jesus disse”. O santo entristecido de hoje tem que esperar até que a quinta ocorrência seja alcançada para que constate aquele “clamor em alta voz” que levantará os mortos e transformará os vivos, e tomará todos para estarem com Ele. Os outros quatro são válidos e eficazes para nós em todos os momentos.
À palavra do Senhor, os homens podiam rolar a pedra da entrada da caverna. Isso eles o fizeram apesar do protesto bastante inoportuno de Marta, mas o poder deles cessou naquele momento. A manifestação da glória de Deus, que Marta deveria ver se cresse, era obra exclusiva Sua. A vivificação e a ressurreição são obras inteiramente Suas, embora os homens possam ser usados para remover obstruções. No entanto, o poder que trouxe Lázaro de volta à vida só foi exercido em dependência do Pai. O testemunho completo foi prestado na presença da multidão ao fato de que aqui estava o Filho de Deus em poder e também ao fato de que Ele estava aqui em nome do Pai e em plena dependência d’Ele.
Ele proferiu apenas quatro palavras e o poderoso sinal veio a acontecer. A morte e a corrupção desapareceram e Lázaro, ainda ligado com faixas, saiu. Agora, novamente, a instrumentalidade humana entrou em cena e Lázaro foi libertado de suas amarras; assim como hoje os servos de Deus podem pregar a palavra a ponto de remover obstruções espirituais e libertar almas da servidão, enquanto a obra de dar vida permanece completamente nas mãos do Filho de Deus. Neste grande sinal, o sexto que João registra, a glória de Deus se manifestou, pois a concessão da vida é Sua gloriosa prerrogativa. O homem brutal pode matar com muita facilidade: só Deus pode “matar e vivificar” (2 Re 5:7 – AIBB; 1 Sm 2:6;). Nisso, também, o Filho de Deus havia sido glorificado, pois Sua unidade com o Pai, no exercício desse poder, havia sido demonstrada.
Ocorrendo tão perto de Jerusalém, esse sinal teve um efeito profundo. Isso levou muitos à fé, e agitou os principais sacerdotes e fariseus a uma determinação mais feroz de matá-Lo. Eles tinham que admitir que Ele tinha feito muitos sinais, mas só consideraram o efeito que essas coisas poderiam ter no próprio lugar deles na presença dos romanos. Deus estava completamente fora dos pensamentos deles. O conselho que eles tiveram deu ocasião para a profecia de Caifás.
Deus pode Se utilizar de um falso profeta como Balaão e forçá-lo a proferir palavras de verdade. Mas aqui estava um homem que, exceto por ser sumo sacerdote naquele ano, não tinha pretensões a nada do tipo; um homem que profetizou sem saber que ele estava profetizando. No que lhe dizia respeito, suas palavras eram sarcásticas, cheias do espírito de um homicida cínico, sem coração e de sangue-frio; todavia, foram usadas pelo Espírito Santo para transmitir o fato de que Jesus estava prestes a morrer por Israel, em um sentido do qual nada sabiam. O versículo 52 nos dá um comentário adicional sobre suas palavras por meio do evangelista. Israel era de fato para ser redimido por Sua morte, mas havia outro propósito para vir à luz em breve. Nascidos de Deus existiam, mas ainda sem qualquer vínculo especial de união. Esse vínculo deveria ser criado como o fruto de Sua morte. Mais luz sobre isso nos alcançará no próximo capítulo.