segunda-feira, 16 de setembro de 2019

JOÃO 21



JOÃO 21


Os versículos finais do capítulo anterior indicam que a evidência fornecida, mostrando que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, está completa agora. Isto é, portanto, tido como concedido no capítulo final, que registra os tratamentos com certos de seus discípulos totalmente não registrados nos outros evangelhos. Pode ser considerado de duas maneiras: primeiro, como tendo um significado figurativo ou típico; em segundo lugar, como mostrar Seus tratamentos graciosos com eles em vista de seu futuro.
O versículo 14 nos dá a chave para entender seu significado especial do ponto de vista figurativo. Podemos lembrar de que na abertura deste evangelho o evangelista chama nossa atenção para certos dias, e no início de João 2 houve uma manifestação da glória de Jesus no terceiro dia, figura da era milenar. Agora, aqui temos diante de nós o que é registrado como a terceira manifestação de Jesus ressuscitado dos mortos, e novamente descobrimos que tem um significado milenar.
A primeira manifestação, como vimos no último capítulo, foi no próprio dia da ressurreição, e todos os registros em conexão com ela falavam da porção da Igreja em associação com o Senhor ressurreto. A segunda, no mesmo capítulo, nos deu o despertar da fé no remanescente de Israel, quando finalmente eles olharão para aqu’Ele a Quem traspassaram. Isso foi demonstrado em Tomé. Agora chegamos à terceira, quando a manhã do milênio surgirá e o Senhor será revelado como o Senhor de todas as circunstâncias e o Provedor de todas as necessidades. Os três dias apontados em João 1 e João 2, tiveram, em cada caso, o mesmo significado.
O principal objetivo deste evangelho foi a revelação do Pai na Pessoa do Filho e a certificação para nós de que Jesus é de fato o Filho de Deus, para que não tenhamos dúvida quanto à revelação, mas que a luz dela brilhe com resplendor inextinguível em nossa alma. É muito notável, portanto, que ele inicie e termine com essas figurativas lembranças de distinções dispensacionais, embora o peso do evangelho seja aquele que permanece eternamente acima de todas as distinções dispensacionais. Diferenças de dispensação podem impor diferentes medidas quanto às apreensões dos santos, mas aquilo que deve ser apreendido é eternamente o mesmo.
João nos deu um relato da queda de Pedro, mas não disse palavra alguma sobre suas amargas lágrimas imediatamente depois, como resultado do olhar do Senhor, nem do encontro pessoal com o seu Senhor ressuscitado na última parte do dia da ressurreição. Abrimos este capítulo para encontrá-lo retornando para a sua pesca e levando seis dos outros discípulos com ele. Não foi para esse tipo de pesca que o Senhor o havia originalmente chamado, e parece que, embora sabendo que o Senhor o havia perdoado, ele estava assumindo que sua comissão para o serviço deveria cessar. O Pastor ressuscitado, no entanto, estava prestes a restaurar totalmente alma de Pedro e levar os pés de todos eles para os caminhos da justiça.
A expedição deles no lago foi um fracasso. O versículo 3 se resume em “noite” e “nada”. Quando a manhã chegou, tudo foi revertido porque Jesus estava lá – rede cheia, grandes peixes – e nenhuma rede rompida, nenhum barco afundando, como em Lucas 5. Tampouco havia Pedro caindo para confessar-se um homem pecador, embora sua triste queda tenha sido tão recente. Em vez disso, atirou-se ao mar para chegar a Jesus com toda a rapidez possível. Novamente vemos como ele é preeminente quando a ação do amor está em questão, assim como João mostra mais proeminentemente o discernimento do amor.
Chegados à praia, os discípulos se viram interrompidos em sua pesca, embora a captura de peixes fosse tão grande. O Senhor tinha fogo, peixe e pão prontos para eles; a provisão era toda Sua. Visto figurativamente, podemos enxergar os discípulos saindo e trazendo sob a direção do Senhor, uma grande colheita do mar das nações, o que marcará a abertura da era milenar. Foi certamente preparada, também, como uma lição para Pedro e o restante, mostrando-lhes que sua volta à ocupação comum era desnecessária, mesmo que especialmente abençoada por Ele. Sua comida já estava preparada por Sua mão. Os discípulos sabiam que era o seu Senhor ressuscitado, não pela visão de seus olhos, mas por Suas ações, que eram únicas.
Então começou o trato especial do Senhor com Simão Pedro. Sua queda ocorreu quando ele estava se aquecendo ao fogo do mundo na companhia dos servos do sumo sacerdote, que era totalmente hostil ao seu Senhor. Ele agora se encontra perto do fogo que tinha sido aceso por seu Senhor, não apenas aquecido, mas também alimentado por Ele, e na companhia de outros servos dedicados ao seu Senhor como ele mesmo. Três vezes Pedro tinha sido testado e cada vez, com ênfase crescente, ele havia negado seu Senhor. Três vezes, nesta ocasião, o Senhor sondou a consciência e o coração de Pedro, cada vez aumentando a severidade do teste.
Podemos apreciar mais plenamente os versículos 15-17 se observarmos que duas palavras diferentes são usadas para “amor”. A primeira (“ágape”) é aquela que, segundo nos dizem, não é usada para “amor” além do Novo Testamento e da versão Septuaginta[1]. O Espírito de Deus tomou essa palavra e a consagrou para expressar o amor de Deus. A segunda (“fileo”) é aquela baseada na palavra amor entre amigos, e significando o amor de sentimentos ou de afeto caloroso; ou, como foi dito, “indica menos percepção e mais emoção”. Vamos citar a tradução de Darby, onde a distinção é cuidadosamente observada.
O Senhor dirigiu-Se a Pedro não pelo novo nome que Ele lhe dera, mas pelo seu antigo nome na natureza, “Simão, filho de Jonas”, e perguntou-lhe: “Amas-me mais do que estes?” Isso é exatamente o que ele alegou de si mesmo ao dizer: “Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu”, como Marcos nos diz. Esta deve ter sido uma questão muito dolorosa, pois a julgar pelo seu proceder, parecia que ele era o que menos O amava. O que ele poderia dizer? Apenas isto, “Sim, Senhor, Tu sabes que eu estou apegado a Ti”. Ele usou a palavra inferior, mostrando que ele já havia decaído em sua própria estima.
Uma segunda vez, Jesus fez a pergunta, usando a mesma palavra de antes, mas não fazendo qualquer comparação entre Pedro e os outros discípulos. Era simplesmente: “Amas-Me?” Era como se Ele tivesse dito: “Você realmente Me ama mesmo?” Isso penetrou na ferida de uma forma ainda mais profunda. Pedro foi novamente incapaz de aceitar o desafio e permaneceu com sua própria palavra: “Tu sabes que eu estou apegado a Ti”.
A terceira pergunta era uma pressão ainda mais profunda, pois, dessa vez, Jesus usou a própria palavra de Pedro e, perguntou-lhe, “Estás tu apegado a Mim?” Assim, Ele desafiou o direito de Pedro de ir tão longe a ponto de afirmar que ele estava apegado a Ele. Isso o cortou até a medula e penetrou até a profundidade. Ele percebeu que não podia alegar que amava e que sua conduta desmentia até mesmo uma ligação de amizade. Ele, portanto, lançou-se inteiramente ao seu Onisciente Senhor, dizendo: “Senhor, Tu sabes todas as coisas; Tu sabes que eu estou apegado a Ti”. Isso virtualmente reconhecia que seu apego era de proporções tão tênues e microscópicas que somente a onisciência Divina poderia percebê-lo. Mas ainda estava lá! Pedro sabia disso e sabia que seu Senhor conhecia isso.
Em tudo isso, em muita graça, ainda que com acurada precisão, Pedro estava sendo conduzido ao julgamento próprio – o julgamento do estado que o levou ao pecado e ao desastre. Uma coisa é confessar o pecado cometido e outra confessar o estado errado que o levou a isso. Este é o ponto que é tão instrutivo e salutar para nós. A autoestima com o seu mau gêmeo, a confiança própria, era a base do mau comportamento e a completa restauração diante do Senhor não seria aperfeiçoada até que Pedro chegasse a esse ponto. Além disso, seu pecado havia sido cometido com considerável publicidade, e os outros discípulos devem ter tido sua confiança nele tristemente abalada. Quão gracioso, então, da parte do Senhor tratar com Pedro em sua restauração na presença de vários discípulos.
E isso não foi tudo. Cada afirmação de Pedro de que ele realmente estava apegado ao Senhor, apesar de sua covarde negação, foi seguida por uma resposta que indicava que um serviço muito importante deveria ser confiado a ele. O Senhor usou três expressões diferentes, que não estão totalmente claras em nossas versões em português: “Alimenta os Meus cordeiros”, “Apascenta as Minhas ovelhas”, “Alimenta as Minhas ovelhas” (todas conforme JND). O pastoreio de ovelhas envolveria o cuidado para que elas fossem alimentadas, mas iria além disso e cobriria muitas atividades na forma de supervisão, liderança e proteção.
É muito evidente que Pedro foi encarregado de um ministério pastoral, e a maneira pela qual ele incita os outros a um semelhante cuidado pastoral, nos versículos iniciais de 1 Pedro 5, é muito impressionante. Em sua epístola ele adverte contra os próprios abusos de tal ministério que entraram como uma inundação na história da Igreja. Esses abusos alcançam seu maior desenvolvimento no imponente corpo religioso que reivindica seu pontífice romano como o sucessor de Pedro; e eles são apenas a consequência da natureza humana caída, pois coisas exatamente semelhantes aconteceram em Israel, e são condenadas pelo Senhor por meio da profecia em Ezequiel 34. Hoje o “Óbolo de São Pedro”[2] significa dinheiro extraído do rebanho para o apoio do suposto sucessor de Pedro, em vez de algo ministrado para o rebanho. Uma severa perversão e grotesca imitação, de fato!
Os pastores que serviram depois da partida de Pedro logo se esqueceram de que os cordeiros e ovelhas pertenciam ao Senhor. A palavra para Pedro não era “Alimente suas ovelhas”, mas “Minhas ovelhas”, e isso faz toda a diferença. É notável ainda que o Senhor falou uma vez de pastoreio e duas vezes de alimentação. É aí que a ênfase está. Pastoreio significa uma certa quantidade de autoridade no manuseio e direcionamento, e não são poucos os que amam empunhar autoridade, mesmo na Igreja de Deus. Ser despenseiro de alimento espiritual é outro assunto e muito mais profundo. Aquele que pode dar alimento espiritual não terá muita dificuldade em exercer alguma medida de controle espiritual.
Outra coisa que podemos notar. Quando Pedro foi assim comissionado, ele era um homem subjugado e humilde. A um tal homem assim, quando totalmente restaurado, o Senhor confiou Seus cordeiros e ovelhas. Podemos nos lembrar da prescrição apostólica: “se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai [restaurai – TB] o tal com espírito de mansidão; olhando por [considerando a – JND] ti mesmo, para que não sejas também tentado” (Gl 6:1). Supõe-se que um homem espiritual será manso e terá um senso completo de sua própria suscetibilidade de cair. Aqui Pedro havia caído e, humilhado agora e restaurado, ele alcançou aquele espírito terno e manso que marca o homem espiritual. Para os homens desse tipo o Senhor confia Seus cordeiros e ovelhas.
Tendo o Senhor comissionado outra vez a Pedro e indicado o caráter especial do serviço que ele devia prestar, agora lhe mostrou que aquilo de que ele havia se gabado de que faria na energia da juventude, ele realmente faria quando sua energia natural tivesse diminuído. “Por Ti darei a minha vida”, foram as palavras de Pedro, mas ele falhou miseravelmente. Seu desejo estava correto, embora sua confiança própria estivesse errada e tivesse que ser repreendida. Portanto, seu desejo deve ser cumprido, mas num poder que é além do seu. As palavras do Senhor no versículo 18 não indicaram apenas que ele deveria glorificar a Deus pela morte de um mártir, mas também o caráter daquela morte. A alusão foi à crucificação. Ele deveria seguir o Senhor ao cuidar de Suas ovelhas e, até certo ponto, à maneira de Sua morte. Que sublime graça foi esta para o discípulo que falhou! E que instrução para nós! O caso de João Marcos também nos fornece um exemplo de como aquilo que é iniciado na carne ainda pode ser aperfeiçoado pelo Espírito: Exatamente o oposto de Gálatas 3:3.
No momento, Pedro desviou os olhos de seu Mestre e fixou-o em um discípulo, ninguém menos que o escritor deste evangelho. João era evidentemente um homem mais jovem, mas já estava intimamente ligado a Pedro em várias ocasiões. Provavelmente era interesse genuíno e não meramente curiosidade que o fez indagar sobre o futuro dele. A resposta parece ter uma dupla relevância.
Primeiro, enfatizou a questão de que para cada discípulo – seja Pedro ou nós mesmos – nosso grande assunto não é com nossos irmãos, mas com nosso Senhor. O que o Senhor ordenou para João não dizia respeito a Pedro, mas que seguisse o Senhor por si mesmo. Não há muitos hoje que apontam para um irmão e dizem: “O que esse homem fará?”, mas há muitos que dizem: “Veja o que esse homem fez!” Estar preocupado sobre os feitos de outra pessoa, especialmente se eles não forem muito corretos, é uma coisa banal e fácil, enquanto estar preocupado consigo mesmo é um trabalho custoso. Para cada um de nós, como a Pedro, o que Senhor diz é: “Segue-Me”.
Em segundo lugar, havia alguma coisa enigmática ou oculta nesta declaração sobre João, assim como havia no versículo 18 sobre Pedro. Isso não indicava que ele não deveria morrer e assim permanecer até o segundo advento, mas sim que seu ministério deveria ter um caráter especial. A palavra aqui, traduzida como “fique”, é aquela que ocorre nos escritos de João tantas vezes quanto em todo o restante do Novo Testamento. É traduzida de várias maneiras como “permaneça”, “continue”, “habite”. Ora o ministério de João, como exemplificado em seu evangelho e nas suas epístolas, tratou especialmente com as coisas permanentes da revelação de Deus, que nada pode tocar ou manchar. Em Apocalipse, descobrimos que ele foi o último dos apóstolos a ver o Senhor em Sua gloriosa majestade e a receber d’Ele, por meio do Seu anjo, a mais completa revelação das coisas que estão por vir, o que nos leva ao segundo advento, e até mesmo ao estado eterno.
O versículo 23 é uma advertência para nós sobre o perigo de extrair deduções da Palavra de Deus, e então elevar essas deduções a afirmações categóricas. Se houvesse um dito entre os irmãos de que João não morreria, em vista do que o Senhor dissera, talvez não fosse digno de nota. Mas eles disseram que ele não morreria, ao invés de que ele permaneceria. Palavras inspiradas permanecem em uma classe por si mesmas, e devemos ter cuidado ao tirar delas conclusões infundadas.
O último versículo do nosso evangelho é muito característico. Ele nos lembra de que o que está registrado dos feitos do Senhor na Terra é apenas uma pequena fração do todo, e isso é verdade se juntarmos todos os quatro evangelhos. Também é verdade quanto às Suas palavras e às Suas obras. Este é um fato que ajuda a explicar as coisas que às vezes são citadas como aparentes discrepâncias. Por exemplo, o Senhor deve ter feito e dito coisas semelhantes dezenas de vezes durante os anos de Seu serviço incessante em várias partes da Judeia e da Galileia. E por último, não há exagero de figura no que é dito sobre o mundo e os livros. João traçou para nós as incomparáveis palavras e obras do Verbo que Se tornou carne – pelo menos, uma seleção delas, que embora pequena, é suficiente para nos convencer de que n’Ele temos o Cristo, o Filho de Deus. Embora Ele tenha assumido uma forma finita, o Verbo que a assumiu é infinito. Ele colocou, portanto, o selo do infinito em tudo o que Ele fez e disse, e o mundo e os livros não podem conter isso.
Nunca chegaremos ao fim de todas as coisas que Jesus fez. Nesta mais apropriada nota, nosso evangelho termina.





[1] N. do T.: A Septuaginta é a mais antiga tradução em grego do texto hebreu do Antigo Testamento, feita para uso da comunidade de judeus do Egito no final do século III a.C.
[2] N. do T.: Chama-se “Óbolo de São Pedro” a ajuda que os fiéis oferecem ao papa como sinal de adesão à disposição do sucessor de Pedro (conforme a crença católica) relativamente às múltiplas carências da Igreja universal e às obras de caridade em favor dos mais necessitados

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