segunda-feira, 9 de setembro de 2019

JOÃO 18

JOÃO 18

Tendo falado com o Pai e expressado os Seus desejos, Jesus saiu ao encontro de Seus inimigos, que eram conduzidos pelo traidor, e depois para a morte que Ele deveria sofrer. Fiel ao caráter deste evangelho, um testemunho impressionante é dado à Sua onisciência. Ele saiu em pleno conhecimento de “todas as coisas que sobre Ele haviam de vir” – não apenas de circunstâncias externas, mas do peso interno de tudo o que estava envolvido. Se nos referirmos a João 6:6 e 13:3, encontraremos declarações de importância semelhante.
Mas a cena no jardim (ARA) também nos fornece uma demonstração de Sua onipotência. Eles procuraram Jesus Nazareno, mas quando Ele respondeu “Sou Eu”, que lembra a maneira como Jeová Se manifestou no Velho Testamento, eles caíram por terra. Assim, irresistivelmente, mas sem querer, eles fizeram reverência diante d’Ele. Desse modo, os sinais de Sua Deidade estavam presentes mesmo quando Ele Se submeteu às mãos deles, visto que Ele estava aqui como o Homem sujeito à vontade do Pai. Seu desejo era estender a proteção aos Seus discípulos de acordo com Sua própria palavra, e a ação zelosa, mas errônea, de Pedro apenas deu ocasião à demonstração de Sua completa unidade de pensamento com o Pai. Ele aceitou tudo como vindo de Suas mãos, mesmo que as mais altas autoridades religiosas no judaísmo fossem seus principais adversários. O servo do sumo sacerdote, Malco, foi proeminente em Sua prisão, e ao tribunal de Anás e Caifás Ele foi levado primeiramente. Caifás tinha a voz decisória e já estava determinado em Sua morte.
Os versículos 15-18 são parênteses, como também os versículos 25-27. Juntos, eles nos dão a triste história da queda de Pedro, na qual foi cumprida a previsão do Senhor, em João 13:38. É digno de nota que este é um dos poucos episódios registrados por todos os quatro evangelistas. Deus não tem prazer em registrar os pecados de Seus santos, por isso podemos ter certeza de que há nisso advertência e instrução muito necessárias a todos os santos de todas as épocas, pois a confiança própria é uma das tendências mais comuns e mais arraigadas da carne: uma tendência que, se não for julgada e recusada, invariavelmente leva ao desastre. A verdadeira circuncisão espiritual envolve “não confiar na carne” (veja Filipenses 3:3), mas essa é uma lição que não aprendemos, exceto por meio de uma boa dose de experiência dolorosa.
O “outro discípulo” conhecido do sumo sacerdote era evidentemente o próprio João. Sua familiaridade com o sumo sacerdote deu-lhe um pouco de status mundano e privilégio, que ele usou para introduzir Pedro no lugar de perigo. A palavra “também” no versículo 17 parece implicar que a criada que mantinha a porta sabia que João era um discípulo de Jesus. Ele não tinha sido tentado a negar o fato como Pedro havia feito. Aquilo que atrapalha um discípulo pode não influenciar outro. Além disso, Satanás sabe exatamente como montar suas armadilhas. O terceiro questionador ser um parente de Malco, que sofreu no jardim sob as mãos de Pedro, foi um golpe de mestre de sua arte. Isso englobava a terceira e pior negação de Pedro, e seu pecado e derrota estavam completos.
Os versículos 19-24 dão detalhes do que aconteceu no palácio do sumo sacerdote, e eles são o elo de ligação entre os versículos 14 e 28. A questão levantada quanto a Seus discípulos e doutrina era uma tentativa de obter de Seus lábios algo incriminatório como uma base para a sentença de morte que eles tinham determinado pronunciar contra Ele. Os outros evangelhos nos dizem que eles buscaram testemunho contra Ele e não encontraram nenhum, o que explica o fato de que quando Ele os remeteu ao testemunho de Seus ouvintes, eles estavam tão irritados a ponto de darem uma bofetada em nosso Senhor. Mateus nos diz que eles foram tão longe a ponto de buscar falso testemunho contra Ele.
É bom notar o contraste entre Jesus no versículo 23 e Paulo em Atos 23:5. Há um abismo entre o Mestre e o mais dedicado de Seus servos. A resposta de Jesus foi conclusiva. Não havia mal algum em que alguém pudesse testemunhar: ninguém poderia convencê-Lo do pecado.
O relato de João sobre os procedimentos perante o sumo sacerdote é muito breve. Em contraste com isso, ele nos dá um relato mais completo do que aconteceu diante de Pilatos do que qualquer um dos outros evangelhos. Paulo escreve sobre “Cristo Jesus, que perante Pôncio Pilatos deu o testemunho da boa confissão”, (AIBB) e os detalhes dessa boa confissão vêm particularmente à luz aqui.
Primeiro, no entanto, nos é dada uma visão da terrível hipocrisia dos líderes dos judeus. Eles sentiram que se entrassem na sala da audiência, se contaminariam. No entanto, não tinham escrúpulos em se comprometer com o homicídio e a caça de mentirosos para dar alguma aparência de decência à sua ação. É lamentável o nível que chega a carne religiosa! Pilatos desejou, com razão, que houvesse uma acusação definida, mas, não tendo nada a oferecer, eles tentaram, em primeiro lugar, levar Pilatos a um veredicto sobre o argumento geral de que Ele era um malfeitor. Denunciar, em termos gerais, enquanto é evitada qualquer acusação específica é uma artimanha comum do perseguidor religioso. Essa irregularidade fez com que Pilatos desejasse devolver o caso às mãos deles. A resposta deles mostrou que estavam determinados em Sua morte, mas isso levou ao cumprimento das próprias previsões do Senhor quanto à morte que Ele deveria sofrer – veja João 3:14, 8:28, 12:32. No entanto, eles finalmente apresentaram a acusação de que Ele procurou Se tornar um Rei. Da pergunta do Senhor no versículo 34 se deduz isso; e vem claramente à luz no próximo capítulo, versículo 12.
A “boa confissão” diante de Pilatos cobria pelo menos quatro grandes pontos. Primeiro, o Senhor confessou corajosamente que Ele era um Rei. O contexto mostra que, ao dizer isso, Ele Se referiu não apenas ao fato de que Ele era o verdadeiro Filho de Davi segundo a carne, mas que Ele ocupava o lugar como Filho de Deus, assim como o Salmo 2 previu.
Mas em segundo lugar, Ele afirmou que o Seu reino não era deste mundo (quanto à sua esfera), nem é daqui(quanto à sua origem). Não tem o caráter ou selo deste mundo, nem provém deste lugar sua autoridade e poder. Toda a autoridade e poder do Seu Reino, naturalmente, provêm do céu, e têm o caráter celestial; mas ao invés de afirmar isso positivamente, Ele colocou o assunto naquela luz negativa que tacitamente colocou uma sentença de condenação e repúdio sobre este mundo e este lugar. Foi uma declaração ousada para fazer na presença do homem que representou o maior poder existente na Terra.
Em terceiro lugar, Ele afirmou que Ele nasceu para o reinado na medida em que Ele veio ao mundo como a Testemunha da verdade. Aqu’Ele que traz a luz da verdade é o único apto a manter o poder real, como declarou Davi em 2 Samuel 23:3. Começamos este evangelho com o fato de que a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo, mas neste momento de crise a graça tinha sido rejeitada e a verdade era o assunto em questão. Do lado de fora estavam os homens que encarnavam a mentira e a hipocrisia. Pilatos detinha a autoridade judicial e, portanto, era responsável por discernir a verdade e julgar de acordo, mas a pergunta dele, “que é a verdade” é evidentemente pronunciada por uma veia de irreverente ceticismo[1], e mostrou como o julgamento estava separado da justiça em sua mente. Como um juiz romano ele conhecia muito dos homens e suas fraudes, e ele sentiu que perseguir a verdade era perseguir uma miragem, mas isso não justificava sua loucura, manifestada ao dar as costas a Cristo assim que fizera sua pergunta e sair para os judeus mentirosos.
Em quarto lugar, Ele afirmou ser não apenas a Testemunha da verdade, mas a própria incorporação da verdade. No Seu discurso de despedida, Ele dissera: “Eu Sou ... a verdade” para Seus discípulos; agora diante de Seus adversários, a mesma coisa está implícita nas notáveis palavras: “Todo aquele que é da verdade ouve Minha voz”. Ele é a verdade de maneira tão absoluta que é o teste de todo homem. Aqu’Ele de Quem pode ser dito: “Segundo a Sua vontade, Ele nos gerou pela palavra da verdade” (Tg 1:18), são “da verdade”, e tais ouvem a Sua voz. É notável quantas vezes neste evangelho nossa atenção é chamada para ouvir Sua voz ou ouvir Sua palavra – veja, por exemplo, João 3:34, 4:42, 5:24, 25, 28, 6:68, 7:17, 8:43, 10:4, 16, 27, 12:48-50. Tudo depende disso para nós, conforme essas Escrituras manifestam, e (para usar uma ilustração moderna) devemos estar na frequência correta para ouvir. Nada além de ter sido gerado por Deus pela palavra da verdade pode nos colocar na frequência correta.
Pilatos não tinha ouvidos apropriados para a Sua voz, como suas palavras e ações mostravam claramente. Ele saiu da presença da Verdade para que novamente pudesse estabelecer contato com o mundo da irrealidade, ainda assim ele tinha suficiente senso judicial para perceber quão falsa era a causa contra o Senhor e declará-Lo como sendo sem culpa. Seu esforço, no entanto, para desviar os acusadores de seu intento usando o costume da Páscoa, fracassou, mas isso foi determinado para expor, da forma mais clara possível, a hostilidade implacável deles.
Quatro palavras bastaram para expressar a total rejeição deles pelo Senhor – “Este não, mas Barrabás”, e eles eram totalmente unânimes por este ser o clamor de todos. O comentário do evangelista sobre esse clamor é igualmente conciso e resumido também em quatro palavras: “Barrabás era um salteador”. Sem exagero, podemos designar esse clamor como o mais desastroso de toda a história. Ele controlou o curso do mundo por quase dois mil anos e acabará por selar sua perdição – mais particularmente poderíamos dizer que ele controlou o triste curso da história judaica. O que eles não suportaram nas mãos dos salteadores durante os séculos! Mas se eles clamam e até desejam reclamar contra Deus, basta responder a eles encaminhando-os a esse unânime pedido de seus líderes. Aqu’Ele que foi a personificação da graça e da verdade eles rejeitaram. Barrabás, o ladrão, eles exigiram. Aliás, ele também foi um revolucionário e um homicida, como mostram outros evangelhos. Em retribuição, roubo, revolução e homicídio têm sido a parte deles através dos séculos.

O fato é que no santo governo de Deus eles acabaram de colher o que semearam. E a mesma coisa foi verdadeira no mundo dos gentios em geral, embora talvez em uma escala não tão intensa. Ainda assim, repetidamente, ao longo dos anos, surgiram homens de personalidade marcante, nos quais o espírito Barrabás reapareceu. No presente momento, a Terra está gemendo sob essa mesma coisa. Ao contemplarmos os sofrimentos de muitos povos, temos que nos lembrar: “Barrabás era um salteador”.


[1]  N. do T.: Corrente de pensamento segundo a qual o espírito humano não pode ter certeza absoluta de alcançar a verdade e deve abster-se de julgar. Preconiza, também, que toda afirmação deve ser submetida a uma constante dúvida.

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