domingo, 15 de setembro de 2019

JOÃO 20


JOÃO 20


Em nosso evangelho Maria Madalena aparece apenas em conexão com as cenas finais. Ela estava entre as últimas em pé junto à cruz e entre as primeiras no sepulcro no dia da ressurreição. Não é fácil juntar os registros dos quatro evangelistas para ver a sequência histórica dos acontecimentos, mas parece que, tendo vindo com outras mulheres bem cedo, ela saiu sozinha para informar Pedro e João que o sepulcro estava aberto e vazio e depois voltou para a vizinhança do sepulcro.
As outras mulheres não são mencionadas aqui. Nossos pensamentos estão concentrados em Maria Madalena, para nos levar à instrução espiritual transmitida por meio de suas ações e seus lábios.
Que o Senhor era o Objeto supremo e cativante diante dela é bastante evidente em suas palavras aos apóstolos, como registrado no versículo 2. Sua escolha dos dois para quem ela foi é notável, pois Pedro foi quem pecou tão gravemente antes. Ainda assim, ele amava o Senhor, como o próximo capítulo registra, e João era o discípulo a quem Jesus amava. Pelo lado deles, o amor pode ter sido um tanto eclipsado no momento, mas estava lá, e Maria, em quem o amor estava ardendo brilhantemente, sabia disso.
Além disso, o amor foi demonstrado, pela maneira como eles responderam ao anúncio que Maria trouxe. Isso colocou os pés e o coração deles em movimento. Eles correram com ansiosa pressa e João ultrapassou Pedro. A explicação natural, sem dúvida, era que ele era o mais jovem; mas havia também uma explicação espiritual. João ficou mais profundamente impressionado pelo amor do Senhor por ele, como mostrou pelo modo como falava de si mesmo, enquanto Pedro estava sob a nuvem de ter confiado em seu próprio amor pelo Senhor, que, quando testado, falhou em uma forma escandalosa e pública. Aquele que é mais atraído pelo amor de Cristo corre mais depressa. Foi um caso de “Atrai-me Tu; correremos após Ti” (Ct 1:4 – TB).
Ainda Pedro, apesar de seu fracasso vergonhoso, correu e, chegando ao sepulcro, foi o mais ousado dentre os dois e foi direto para o interior. Isso levou João a se unir a ele e, portanto, houve duas testemunhas do fato de que os lençóis de linho, nos quais o corpo sagrado tinha sido envolvido, não estavam em desordem, mas de uma tal forma que sugeriam que, longe de o corpo ter sido removido por outros, Jesus havia ressuscitado da morte em uma tal condição que os lençóis do sepultamento estavam totalmente inalterados. O versículo 19 do nosso capítulo mostra que, em Seu corpo ressurreto, portas fechadas não era impedimento para nosso Senhor, assim, sem dúvida, os lençóis da mesma forma foram deixados exatamente como estavam.
No versículo 8, João fala por si mesmo – ele creu, embora estivesse aceitando apenas a evidência de seus olhos. Pedro não é mencionado, pois a fé, embora pudesse estar lá, não está ativa quando a alma está sob a tenebrosa nuvem de fracasso e pecado, e ainda não está restaurada. Mas embora João cresse que sua fé era de um tipo pouco inteligente, pois ele, tanto quanto o resto, ainda não estava iluminado para um entendimento da Escritura. Se ele tivesse sido iluminado saberia que o Cristo deveria ressuscitar dos mortos (veja Atos 17:3), o que teria explicado tudo. Então, embora houvesse fé, havia também ignorância, e isso explica o que lemos no versículo 10. O exemplo dado por Pedro e João no início da manhã do dia da ressurreição foi seguido à tarde por Cleofas e sua companhia, conforme registrado em Lucas 24.
A conduta de Maria Madalena se destaca num brilhante contraste com todo o resto. Os dois discípulos partiram para sua casa convencidos de que o corpo de Jesus não estava ali. Maria estava igualmente convencida, mas deixou sua casa e foi permanecer no sepulcro, chorando no sentimento de sua desolação total. Eles conheciam o Senhor como Alguém que os havia chamado de barcos e redes. Ela O conhecia como Alguém que a libertou das garras de sete demônios. Foi uma libertação poderosa e ela O amava muito. Para ela, dois anjos apareceram e não há registro de que ela tenha tido medo da presença deles.
Isso é notável, já que nos outros evangelhos o medo é mencionado em conexão com cada aparição. O caso dela evidentemente ilustra como uma poderosa afeição pode expulsar do coração todas as outras emoções. Sua resposta à pergunta dos anjos mostrou como Jesus, a Quem ela chamava de “o Meu Senhor”, monopolizava todo o espectro de seus pensamentos. Ela reagiu como se encontrar anjos fosse uma ocorrência diária. Ao procurar seu Senhor, ela perdeu o rastro e parece ter dado como certo que os anjos estavam tão preocupados com o assunto quanto ela própria. Mas, evidentemente, até agora, nenhum pensamento de Sua ressurreição havia cruzado sua mente. Ela só pensava em outros removendo o corpo d’Ele. Ela estava procurando um Cristo morto.
Naquele momento, o Senhor ressuscitado interveio e ela se afastou dos anjos para encontrá-Lo ali, embora ela não O reconhecesse. O mesmo aspecto caracterizou Seu encontro com os dois discípulos indo para Emaús naquela tarde, e o resto dos discípulos no cenáculo naquela noite. Era o mesmo Jesus, mas com uma diferença, devido ao fato de estar revestido de um corpo ressuscitado – ressuscitado, embora ainda não glorificado – portanto, não O identificaram imediatamente. Ela O confundiu com o jardineiro. Ele, o Grande Pastor ressuscitado dos mortos, sabia bem que ali estava uma das Suas ovelhas inteiramente dedicada a Ele, buscando somente a Ele mesmo e chorando porque não sabia onde encontrá-Lo.
Na simples pronunciação do nome dela, Ele Se revelou a ela que imediatamente respondeu a Ele como seu Mestre. Tudo o que está registrado, no entanto, nos versículos 11-15, mostra que ela estava procurando o Seu corpo como morto e, portanto, seu primeiro pensamento ao achá-Lo vivo foi sem dúvida o de uma retomada das associações na velha base, que prevaleceram nos “os dias da Sua carne”. É isso que explica a palavra inicial do Senhor para ela: “Não me toques” (TB). Em vista do novo relacionamento que Ele estava prestes a anunciar a ela, e por meio dela aos outros discípulos, Ele mostrou a ela dessa maneira decisiva que as relações não poderiam ser retomadas como eram antes. Sua morte e ressurreição mudaram tudo. Ele não era menos Homem do que era antes de morrer, ainda que tenha dado a Sua vida, Ele a tinha tomado novamente em um novo estado e condição adequados aos céus em que Ele estava prestes a subir. Portanto, agora as relações com Ele devem estar em uma nova base.
O Senhor acrescentou as palavras “porque ainda não subi para Meu Pai” como razão da Sua proibição. Assim, Ele evidentemente indicou que, quando subisse a Seu Pai, Maria deveria estar em “contato” com Ele. Sua ascensão ao Pai envolveu o derramamento do Espírito Santo sobre os discípulos, como foi feito abundantemente claro neste evangelho – ver João 7:39, 14:16, 15:26, 16:13. Quando, no Pentecostes, Maria, junto com os outros, ficou cheia do Espírito Santo, ela se viu em seu espírito trazida a um toque muito mais íntimo com o seu Senhor ressuscitado do que ela jamais experimentara nos dias de Sua vida.
Sem dúvida, os apóstolos foram privilegiados muito além de nós mesmos na maneira como “ouviram”, “viram”, “contemplaram”, “tocaram a Palavra da vida” (1 Jo 1:1). No entanto, enquanto caminhavam com Ele na Palestina, o verdadeiro significado do que observavam era obscuro para eles. Como João 14:17, 20 nos mostrou, foi somente quando eles tiveram a habitação do Espírito que souberam que estavam n’Ele e Ele neles – tinham Sua vida e um novo relacionamento foi estabelecido. Ora também temos o Espírito de Deus, portanto, embora a manifestação objetiva nos tenha alcançado não diretamente, como aconteceu com os apóstolos, mas apenas por meio de seus escritos inspirados, a realização subjetiva pode ser nossa na medida completa. Fazemos bem em refletir sobre esse assunto muito profundamente.
Outra coisa está neste excelente versículo. Jesus chama os discípulos: “Meus irmãos”. Eles haviam sido anteriormente designados “os Seus” (Jo 13:1), e Ele os chamara de “Meus amigos” (Jo 15:14), mas nenhum deles indica o relacionamento da mesma maneira que “Meus irmãos”. Devemos aprender disso que Ele estabeleceu o relacionamento como o Ressuscitado, que passou pela morte e triunfou sobre ela. Esse relacionamento não existe em virtude de Sua encarnação, mas no poder de Sua ressurreição. Ele realmente participou em “carne e sangue”, e tomou “a semente de Abraão”, com vistas ao sofrimento da morte. Tendo provado a morte por todos os homens e sido feito perfeito por meio dos sofrimentos, Ele Se tornou o Príncipe da nossa salvação e, assim como o Santificador, Ele reconhece aqueles a quem Ele santifica como Seus irmãos. Isto é trazido diante de nós em Hebreus 2:9-16. Pela encarnação, Ele veio para o nosso lado para que, em Sua perfeita e imaculada Humanidade, Ele pudesse tomar nossa causa. Tendo a tomado, e por Sua morte e ressurreição, produzido libertação para nós, Ele nos elevou para o Seu lado em identificação com Ele em vida ressuscitada. Assim, o relacionamento não está na encarnação, mas na ressurreição. Isso também é um ponto profundamente importante a ser lembrado.
A mensagem que Maria devia transmitir aos outros discípulos anunciava a nova relação deles com Deus e não apenas em relação a Si mesmo. Seu Pai é nosso Pai, Seu Deus é nosso Deus. Ele nos coloca em Seu próprio relacionamento com Deus, mas é claro, de forma subordinada. Nosso relacionamento com Deus brota do relacionamento d’Ele com o Pai e de nossas relações com o Filho. Ele não disse “nosso” Pai e Deus, como se Ele e nós estivéssemos no mesmo nível. Isso devemos observar cuidadosamente, pois Sua completa preeminência deve ser sempre reconhecida com gratidão. Embora Ele fale de nós como “Meus irmãos”, nunca O encontramos sendo mencionado nas Escrituras como “nosso Irmão”, nem mesmo como “nosso Irmão mais velho”. Tais termos tenderiam a nos fazer pensar d’Ele como se Ele descesse ao nosso lado, em vez de Ele nos elevar para o Seu lado. Isso também obscureceria Sua posição preeminente.
Em Sua maravilhosa vida terrena, o Senhor Jesus havia revelado o Pai, pois o Pai habitou n’Ele, para que Ele pudesse dizer: “quem Me vê a Mim, vê o Pai”. Vimos isto quando consideramos o capítulo 14. Ele também ensinou os discípulos a olhar para Deus como seu “Pai celestial”, em conexão com todas as suas necessidades e circunstâncias neste mundo, como os outros evangelhos mostram, mas uma revelação mais completa vem à luz aqui. Não perdemos a bênção e o benefício da revelação anterior, assim como não perdemos com a revelação d’Ele como o Todo-Poderoso ou como Jeová; mas precisamos entender e nos regozijar no conhecimento de Deus como “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 1:3; 1 Pe 1:3). As palavras do nosso Senhor para Maria foram a primeira indicação deste relacionamento mais completo e mais elevado, e uma vez que isso veio à luz, as epístolas do Novo Testamento apresentam Deus para nós dessa maneira. Ele é de fato um “Pai celestial” para nós em todos os aspectos desta vida, mas não vamos tratar isso como se fosse tudo. Nosso relacionamento adequado com Deus, como Cristãos, é nessa base superior.
Maria Madalena – a mulher com um sensível coração amoroso – foi a primeira a ouvir essas coisas maravilhosas, e se tornou a mensageira delas para todos nós. Ela podia testemunhar que tinha visto o Senhor e que Ele tinha feito essas comunicações para ela e, por meio dela, aos outros.
No final do dia, o Senhor apareceu a Simão Pedro e a Cleofas e sua companhia que viajavam para Emaús, embora João não mencione essas manifestações. É claro, no entanto, dos outros evangelhos que, como o dia da ressurreição avançava, os discípulos tiveram duas testemunhas de Sua ressurreição – Maria e Pedro – e que o testemunho deles os reuniu em Jerusalém à medida que a tarde se aproximava. Quando reunidos, Cleofas e sua companhia vieram entre eles, fornecendo-lhes uma terceira e quarta testemunhas. Então, quando as portas foram fechadas, o próprio Jesus Se colocou no meio deles, identificando-Se com as mãos e o lado traspassados e enchendo o coração deles de alegria.
As portas estavam fechadas por medo dos judeus. Sua presença como ressuscitado causou alegria ao se interpor ao medo deles. Mesmo assim, ainda faltava um elemento, que só poderia ser fornecido quando fossem cheios do Espírito de Deus. No dia de Pentecostes, o medo foi engolido por completo e eles se encheram de ousadia e poder.
O Senhor Jesus Cristo, necessariamente, ocupa sempre o lugar central. Ele o fez na morte, conforme registrado no versículo 18 do capítulo anterior. Aqui Ele o faz em ressurreição, e assim houve um cumprimento da Sua palavra registrada em Mateus 18:20. Na noite do dia da ressurreição, os discípulos foram reunidos em Seu Nome, embora apenas crendo nas testemunhas de Sua ressurreição. Ele entrou no meio deles em forma visível. A principal diferença para nós hoje é que Ele toma o Seu lugar de forma invisível, onde os discípulos estão reunidos em Seu Nome. Quando a Sua presença é percebida, o efeito é como aqui – paz e alegria. A palavra da paz veio de Seus lábios. A alegria seguiu-se quando seus olhos confirmaram a evidência fornecida por seus ouvidos.
Lucas nos diz, em Atos 1, que Ele Se mostrou vivo “com muitas e infalíveis provas”, e preeminente entre elas estava a exibição para Seus discípulos de Suas mãos e lado perfurados. Essas marcas sagradas O identificaram além de qualquer dúvida. Morte e ressurreição tinham sido cumpridas, e elas eram como pilares gêmeos nos quais a paz que Ele anunciava estava firmemente estabelecida. Duas vezes o Senhor os saudou com paz em Seus lábios, pois Ele sabia muito bem que, até que isso fosse cumprido no coração deles, teriam pouca habilidade para receber as coisas adicionais que Ele tinha para lhes transmitir. É exatamente assim conosco hoje. Até que desfrutemos da paz estabelecida com Deus, não poderemos fazer progresso espiritual.
Tendo anunciado a paz pela segunda vez, o Senhor ressuscitado comissionou Seus discípulos em palavras que, embora muito breves, estão cheias de profundo significado. Cada evangelho registra uma única comissão, embora com diferenças características. Mateus registra isso em termos que especificamente atingem um leitor judeu. Eles não deveriam mais fazer discípulos da muito limitada esfera indicada anteriormente naquele evangelho (Mt. 10: 5-11), mas de todas as nações, e deveriam batizar no Nome que veio à luz em Cristo, e não com o batismo de João ou algo parecido com isso. A comissão lá é assim redigida para ter uma aplicação para aqueles que venham a fazer discípulos depois que a Igreja se for. Em Marcos também é enfatizado o aspecto universal da pregação e serviço apostólico. Este é o caso também em Lucas, onde a plenitude da graça parece ser o ponto; graça que poderia começar em Jerusalém, o pior lugar, e se estender a todas as nações. Os três evangelhos sinóticos têm isso em comum; a comissão em cada um deles diz respeito à pregação e ao serviço dos apóstolos.
Mas em João, como convém a esse evangelho, uma nota mais profunda é atingida. O Senhor Jesus fora enviado do Pai, para que n’Ele o Pai pudesse ser feito conhecido. Como o décimo quarto capítulo tornou tão claro, Ele estava no Pai quanto ao Seu ser, Sua vida, Sua natureza e, consequentemente, o Pai estava n’Ele, e assim foi totalmente feito conhecido. Agora, tendo morrido e ressuscitado, Ele estava indo para o Pai, mas estava deixando no mundo discípulos, a quem agora Ele enviava para que fossem para Ele, segundo o padrão da maneira como Ele fora enviado para ser para o Pai. Se, portanto, quisermos entender a missão deles, devemos primeiro entender a missão do próprio Senhor como enviado do Pai.
É notável quantas vezes neste evangelho o Senhor é referido como aqu’Ele que havia sido enviado do Pai ao mundo. Em palavras ligeiramente diferentes, isso é mencionado mais de quarenta vezes, e podemos ver quão relevante é pelo fato de que Ele nos é apresentado como Alguém que era Deus e estava com Deus. Ele não era, portanto, Um natural do mundo, como se Ele tivesse saído daqui. Ele veio de cima e tudo o que Ele era trouxe Consigo. Suas palavras e Suas obras eram todas do Pai. Agora uma coisa nova é levada a efeito, e em sua instituição o Senhor estava cumprindo Sua própria declaração em Sua oração ao Pai – veja João 17:18. Ele estava partindo e agora eles deveriam ser enviados como vindos d’Ele.
O que estava por trás desse envio era o fato de que eles também não eram do mundo como Ele não fora. Isso também é afirmado em João 17:16. Houve essa diferença, contudo; uma vez que eles eram naturais do mundo, então, no caso deles, havia um elo que precisava ser quebrado e havia novos elos que precisavam ser formados. Isso imediatamente nos leva ao que está estabelecido no versículo 22 do nosso capítulo.
As palavras de comissão foram seguidas por palavras de concessão, juntamente com uma ação peculiar. Ele soprou sobre – ou, mais corretamente, para – eles, e disse: “Recebei Espírito Santo” (JND), pois o artigo definido “o” está ausente no original. Devemos observar a conexão entre isso e o que é registrado quanto à criação de Adão em Gênesis 2:7. Quanto ao seu corpo, Adão foi formado do pó da terra, mas a parte espiritual dele veio a existir pelo Senhor Deus, soprando em suas narinas o fôlego de vida, e assim ele foi feito uma alma vivente. Ora, nosso Senhor, que é o último Adão, é um espírito vivificante ou doador de vida, como lemos em 1 Coríntios 15:45, e aqui vemos Ele soprando para Seus discípulos Sua própria vida ressuscitada.
Mas sendo assim, por que Ele disse: “Recebei Espírito Santo”? Porque a Sua própria vida como o Homem ressuscitado é na energia do Espírito Santo. Ele foi “morto na carne, mas vivificado no Espírito” (1 Pe 3:18 – TB). No dia de Pentecostes, como registrado em Atos 2, os discípulos realmente receberam o Espírito Santo, como uma Pessoa divina habitando o próprio corpo deles, mas aqui temos algo preliminar a isso. No mesmo dia em que Jesus entrou em Sua vida ressuscitada, conforme vivificado pelo Espírito de Deus, Ele a comunicou aos seus.
Devemos conectar este grande ato com o que precede e com o que se segue. Como eles poderiam ser enviados ao mundo para serem para Ele como Ele havia sido enviado pelo Pai, a menos que possuíssem Sua vida ressuscitada? A vida natural que eles tiveram de Adão não lhes deu nenhuma competência para tal missão. Eles não tinham poder até que o Espírito Santo foi derramado abundantemente no Pentecostes, mas eles agora tinham a vida e a natureza que tornavam a missão possível. Não lemos sobre esta ação nos outros evangelhos, mas lemos em Lucas 24:45, “Então abriu-lhes o entendimento para entenderem as Escrituras” (JND). Essa abertura do entendimento deles foi, julgamos, o resultado do sopro de Sua vida ressuscitada.
Em nosso evangelho, no entanto, há duas coisas conectadas a isso: primeiro, deu-lhes a capacidade de serem testemunhas no mundo como enviados por Ele; e em segundo lugar, foi-lhes confiado o poder administrativo de perdoar ou reter pecados, não eternamente, é claro, mas de forma governamental. No evangelho de Mateus, vemos que o Senhor, antes de Sua morte e ressurreição, indicou que tais poderes deveriam ser conferidos a Pedro (Mt 16.19) e aos apóstolos como um todo (Mt 18.18), em cada ocasião esperando ansiosamente pelo futuro. Aqui o poder é realmente conferido. Primeiramente, sem dúvida, o poder era apostólico, e vemos Pedro empunhando esse poder em Atos 5:1-11, e o Espírito Santo ratificando a ação de Pedro de forma incontestável. Mas em 1 Coríntios 5:3-5, 12-13, temos Paulo empunhando esse poder e convocando a Igreja para agir com ele em reter o pecado do malfeitor. Em 2 Coríntios 2:4-8, encontramos Paulo convocando a Igreja para reverter a ação em vista do arrependimento do malfeitor. Eles deviam perdoar; e o versículo 10 desse capítulo é muito instrutivo em relação a isso.
Em outros evangelhos, o nome de Tomé aparece apenas na lista dos doze apóstolos: tudo o que sabemos dele está contido em nosso evangelho. Isso é significativo. Ele é mencionado em João 11 e João 14 e suas palavras nessas ocasiões nos preparam para a luz na qual seu caráter aparece aqui. Ele era evidentemente um homem de mente simples, prática e sem imaginação, muito inclinado a ser materialista e, portanto, difícil de convencer de qualquer coisa que estivesse fora do plano da experiência humana comum. Estamos agora muito próximos do versículo que declara o objetivo para o qual este evangelho é projetado para nos conduzir, e estamos considerando o último e maior dos sinais que João trouxe diante de nós. Por isso o caso de Tomé é de particular valor neste evangelho.
Ele não estava presente na noite do dia da ressurreição e, portanto, quando ouviu o testemunho dos outros discípulos, que eles condensaram em três palavras da mais profunda importância: “vimos o Senhor”, ele não estava preparado para aceitar isso. Em um espírito de duvidosa teimosia, ele declarou que, a não ser que tivesse evidências visíveis e tangíveis do tipo mais indubitável, evidências que mais claramente identificassem aqu’Ele que apareceu com aqu’Ele que morreu na cruz, ele não iria acreditar. Desafiando assim o testemunho do discípulo, ele estava realmente lançando um desafio ao seu Senhor ressuscitado, o qual, se aceito, colocaria Sua ressurreição além de toda questão, no que dizia respeito a Tomé.
O Senhor em graça condescendente aceitou o desafio uma semana depois. Mais uma vez Ele apareceu no meio deles embora as portas estivessem fechadas. Novamente Ele os saudou com as palavras “Paz seja convosco”. Então Ele ordenou a Tomé que fizesse exatamente o que ele havia dito, que ele pudesse ter não apenas o visível, mas também a evidência tangível que ele desejava. E não apenas isso, pois Ele deu um sinal espiritual também. Suas palavras a Tomé revelaram que o desafio lançado quando Ele não estava visivelmente presente era perfeitamente conhecido pelo Senhor ressuscitado. No final do capítulo 1, tivemos um incidente semelhante. Jesus mostrou a Natanael que Ele o havia visto quando ele se considerava despercebido sob a figueira, e Natanael foi convencido e O confessou como o Filho de Deus e o Rei de Israel.
Isso foi nos dias de Sua carne, mas Ele Se revelou como aqu’Ele que tudo vê. Aqui os dias da Sua carne terminaram e Ele ressuscitou, mas Ele é revelado como aqu’Ele que tudo ouve. O efeito sobre Tomé com relação a tudo isso foi desnorteante. O obstinado duvidoso, quando está convencido, está realmente convencido! Poucos minutos atrás, ele estava se arrastando de longe, muito atrás dos outros discípulos, agora em sua confissão arrebatadora ele vai a um limite definitivamente além deles. Natanael foi explícito em sua confissão no início: Tomé no final é ainda mais explícito. Apenas cinco palavras! Mas que palavras eram elas – “Senhor meu e Deus meu”!
Aqueles que negam a Deidade de nosso Senhor têm procurado invalidar a força desta frase tratando como sendo uma mera exclamação, dirigida a ninguém em particular, mas o registro distintamente declara que as palavras foram ditas ao Senhor, sendo a forma delas no original muito enfática, já que ele usou o artigo definido duas vezes. Jesus ressuscitado era o Senhor e o Deus para ele. E o que é mais significativo ainda, o Senhor respondeu: “Tomé, creste.... Além de toda a dúvida, Ele tratou a exclamação cheia de gozo de Tomé como apoderando-se do FATO. Em outras palavras, Ele aceitou a confissão como sendo verdadeira. Não há pecado maior do que um mero homem aceitar honras divinas ou adulação, como testemunha o golpe drástico em Herodes, registrado em Atos 12. Quando João caiu diante de um anjo e a respeito de adorá-lo, a resposta instantânea foi: “Não faças tal” (Ap 22:9). Em vez de repreender Tomé, Jesus aprovou sua confissão e chamou-a de fé.
A plena Deidade de Jesus sendo assim reconhecida, chegamos ao fim para o qual o evangelho é projetado para nos conduzir. Muito apropriadamente, portanto, os versículos 30 e 31 fecham este capítulo. Somos lembrados de que todos os sinais miraculosos registrados são apenas uma pequena fração do todo. Entretanto, aqueles que estão registrados são bastante suficientes, e neste evangelho eles são especialmente selecionados para oferecer um amplo terreno para a fé em Jesus como o Cristo, o Filho de Deus, pois é a fé nisto que traz vida por meio do Seu Nome.
Note que a última e conclusiva prova de que Jesus é o Filho de Deus é que Ele aceitou a atribuição da Deidade a Si mesmo. Podemos dizer que, se Ele é Deus, Ele é o Filho de Deus; e, inversamente, que se Ele é o Filho de Deus, Ele é Deus. Note também que Sua Filiação é o grande ponto no evangelho que O delineia desde as profundidades insondáveis da eternidade passada, e não dá detalhes do nascimento virginal. Se realmente aceitarmos este evangelho em fé, não teremos dúvidas de que Sua Filiação é eterna e não algo assumido no tempo.
Antes de deixarmos este capítulo, temos apenas de assinalar o significado das palavras do Senhor no versículo 29. Há algo melhor do que aceitar provas oculares e tangíveis, e isso é crer na Palavra sem qualquer demonstração como essa de Tomé. Ele sem dúvida ilustra a maneira pela qual um remanescente piedoso de Israel vai descobrir a verdade em um dia vindouro. A palavra do profeta deve ser cumprida: “Olharão para Mim, a Quem traspassaram” (Zc 12:10), e então clamarão: “Deus meu, nós, Israel, Te conhecemos” (Oseias 8:2). A maior bem-aventurança dos que creem sem ver é a porção de todos os que recebem na fé o evangelho hoje, seja judeu ou gentio.
Não podemos render a Deus nenhum tributo que seja mais agradável a Ele do que aquele de recebê-Lo plena e simplesmente por Sua palavra, sem pedir qualquer confirmação por vista ou por sentimento. Como a luz pode ser decomposta nas cores do arco-íris, assim o Nome Divino contém muitas características de igual valor e importância, mas enfatiza especialmente a verdade e confiabilidade de Sua Palavra – “engrandeceste a Tua Palavra acima de todo Teu Nome” (Sl 138:2). Vendo que no princípio o pecado entrou pela descrença na Palavra Divina, quão apropriado é isto! A presente época do evangelho é peculiarmente a época em que os homens creem sem ver – “Ao Qual, não O havendo visto, amais; no qual, não O vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso; Alcançando [recebendo – JND] o fim da vossa fé, a salvação das almas” (1 Pe 1:8-9).
Essa Escritura nos dá um vislumbre da bem-aventurança especial da qual o Senhor falou a Tomé. Ela pode ser nossa, e quanto mais aguçada e simples for nossa fé, mais profunda será a medida que ela será nossa. Que a completa bem-aventurança seja conhecida por cada leitor dessas linhas.

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