terça-feira, 3 de setembro de 2019

JOÃO 16

JOÃO 16


Outras palavras de advertência seguem nos versículos iniciais deste capítulo, para que os discípulos não fossem surpreendidos por estarem despreparados para a perseguição. Atos 8:3, 9:1-2; 1 Timóteo 1:13, nos suprem com um comentário sobre os versículos 2 e 3 do nosso capítulo. Saulo de Tarso perseguiu este Caminho até a morte, e ele o fez ignorantemente, em sua incredulidade. Naquela época ele certamente não conhecia nem o Pai nem o Filho.
Jesus estava indo para aqu’Ele que O enviara, e os discípulos tiveram suficiente percepção da perda que sofreriam e estariam cheios de tristeza, mas se tivessem apenas perguntado mais a respeito de aonde Ele estava indo, e o que estaria envolvido em Sua presença com o Pai, eles teriam visto as coisas sob uma luz diferente. Sua partida seria de proveito para eles. Haveria perda, mas também ganho que superaria a perda. Esta foi uma afirmação surpreendente, mas o Senhor prossegue apoiando-a, dando-lhes outros desdobramentos dos benefícios que fluiriam da vinda do Consolador, cuja vinda dependia de Sua partida. Ele fala primeiro do que Sua vinda significaria em relação a eles mesmos.
Pelo fato da Sua própria presença e atividade, ao Ele vir, seria um testemunho permanente contra o mundo. A palavra “convencerá” não significa que Ele trará tal convicção ao mundo que resultaria em sua conversão, mas que Sua vinda trará uma tal demonstração dessas três grandes realidades, que deixará o mundo sem desculpa. Ele vem como consequência direta de Jesus ter subido às alturas, aqu’Ele que foi expulso pelo mundo incrédulo. A bondade perfeita incorporada no Filho de Deus estava diante dos olhos deles e foi totalmente rejeitada. Aqui estava o pecado[1], uma excessiva falha em atingir a marca – e demonstrada pela presença do Consolador, que veio porque Ele havia partido.
Mas Jesus estava passando pela morte e ressurreição, e pela ascensão, em direção à glória do Pai. Assim, a justiça divina seria reivindicada e demonstrada. O ponto aqui não é remissão de pecados e justificação para nós, como é em Romanos 3, mas de justiça a ser publicamente estabelecida em toda esfera que foi tocada e manchada pelo pecado. A morte de Cristo foi o ato supremo da injustiça do mundo: A glorificação de Cristo foi o ato supremo da justiça de Deus, e a garantia de que em última instância a justiça prevalecerá em todos os lugares, de acordo com as palavras de Paulo em Atos 17:31. De Cristo glorificado é vindo o Espírito como o Testemunho permanente disso. Apenas ter demonstrado o pecado não seria sido suficiente: a justiça – sua antítese – e aquilo que finalmente abolirá o pecado devem ser demonstrados também.
A terceira coisa, julgamento, segue como a sequência apropriada. Se pecados humanos são tratados em justiça divina, o julgamento não pode ser evitado. Paulo argumentou diante de Felix do “juízo vindouro” e o governador romano tremeu, mas o ponto em nossa passagem é que o príncipe deste mundo foi julgado no poder de Sua cruz por sua atitude para com Cristo. Em João 12, Jesus havia falado do julgamento do mundo e da expulsão de seu príncipe. Estes fatos solenes são demonstrados pela presença do Espírito, pois se o príncipe e líder do mundo é julgado, o mundo que ele controla é julgado também. Satanás também é chamado de “o deus deste mundo” (2 Co 4:4 – TB), pois homens ignorantemente o adoram ao se desviarem para todas as coisas que eles idolatram: ele é “o príncipe” como sendo o originador e líder nos grandes sistemas do mundo.
Ora é realmente conveniente e proveitoso para nós que o Consolador tenha vindo com uma demonstração clara dessas coisas. Ver o diabo em uma luz verdadeira, ver o mundo como ele realmente é, ter as coisas trazidas a uma questão entre pecado e justiça, são questões da mais profunda importância. O testemunho é verdadeiramente contra o mundo, mas permanece para nosso benefício e instrução. Se tivéssemos mais plenamente prestado atenção a isso, e a Igreja também por toda a sua história, deveríamos ter nos mantido muito mais limpos do mundo do que estamos. As fortes palavras que lemos em Tiago 4:4 são mais facilmente entendidas à luz das palavras do Senhor aqui.
Quão proveitoso também é esse ministério do Espírito indicado nos versículos 13-15. Parece estar dividido em três partes – “Ele vos guiará ... Ele vos anunciará ... Ele Me glorificará”.
Ele deve guiar os discípulos a toda a verdade. No versículo anterior, o Senhor indicou que ainda havia muitas coisas a serem reveladas, mas que eles ainda não estavam em condições de recebê-las. Pela recepção do Espírito eles teriam aquela unção, mencionada em 1 João 2:20 e 27, e teriam a capacidade de entender. Então, quando o Espírito de Verdade chegou, o Senhor disse por meio d’Ele as muitas coisas que Ele ainda tinha a dizer, e toda a verdade foi revelada, e à ela o Espírito os guiou. Os apóstolos, sem dúvida, estão principalmente em vista aqui, mas as epístolas foram escritas como o fruto desse direcionamento à toda a verdade, e assim os santos de todas as épocas até os nossos dias tiveram toda a verdade trazida para o círculo de seu conhecimento. Com que diligência nos dedicamos a essas coisas para que sejamos guiados a elas?
Então Ele mostraria aos discípulos “o que há de vir”. Como fruto deste ministério particular para os apóstolos, temos o livro do Apocalipse, bem como certas passagens nas epístolas, e assim este ministério foi disponibilizado para nós. Por esses escritos proféticos, o abandono das coisas, tanto pela igreja como pelo mundo, nos é revelado e, portanto, não estamos em trevas, embora a rejeição e a ausência de Cristo tenham introduzido uma época na história do mundo caracterizada como sendo “a noite” (Jo 9:4).
Então, em terceiro lugar, a missão do Consolador é glorificar o Cristo que foi desonrado no mundo. Isto Ele faz anunciando as coisas que são de Cristo, para que façamos a descoberta de que todas as coisas do Pai são também d’Ele. Que não percamos o tremendo alcance desta grande declaração. Já ouvimos duas vezes que o Pai entregou todas as coisas em Suas mãos (Jo 3:35, 13:3), mas isso não nos pode levar além do fato de que, assim como foi com José no Egito com respeito às coisas de Faraó, toda a administração está comissionada a Ele. Isso nos leva ainda mais adiante. Todas as coisas do Pai SÃO SUAS! E isso foi dito pelo Filho enquanto na Terra em Seu caminho de humilhação. Esse “SÃO” é eterno: respira o ar da eternidade. As coisas do Pai sempre foram, são e sempre serão d’Ele. O que fala assim reivindica a Deidade, aqu’Ele em unidade com a Divindade. O conhecimento disto pelo ministério do Consolador realmente O glorifica.
A transição do pensamento do versículo 15 ao 16 pode não ser aparente à primeira vista, mas cremos que o Senhor ainda está seguindo com ideia de quão proveitoso para eles seria Sua partida, porque isso envolvia o advento do Consolador. Logo eles não mais O veriam, e então novamente um pouco e O veriam. Mas esta segunda visão seria porque “vou para o Pai”; isto é, porque então o Espírito seria dado. Nessa notável declaração, o Senhor usou duas palavras diferentes: a primeira significando “contemplar ou ver como espectador”, a segunda significando “perceber ou discernir”. Um pouco e eles já não O veriam, contemplando Seus caminhos e ações como espectadores; então outra vez, um pouco depois, sendo o Espírito dado, eles O veriam dessa maneira nova, percebendo-O pela fé com uma visão interior de seu coração cheios do Espírito, em uma medida antes desconhecida. Bendito seja Deus que também nos é possível dizer: vemos ... Jesus, coroado de glória e honra” (Hb 2:9 – AIBB).
Essa Sua declaração estava obscura no momento para os discípulos e, portanto, mais explicações foram dadas. O mundo ia prosseguir em sua trajetória contra Ele e a Sua morte era iminente. O mundo iria se alegrar ao se livrar d’Ele, mas para os discípulos o panorama era de choro e lamento. Contudo, além da morte, havia a ressurreição e Sua ascensão ao Pai. Isso reverteria tudo. O trabalho de parto é usado como uma ilustração, pois não apenas estabelece a ideia do gozo sobrevindo à tristeza, mas também a da nova vida que surge. Agora, a tristeza deles era apenas um reflexo de Sua tristeza, e a Sua era tão profunda e de tal natureza a ponto de ser chamada de “o trabalho de Sua alma” em Isaías 53:11, enquanto o versículo anterior prediz: “Ele verá a Sua semente” (Is 52:10 – TB), evidentemente em ressurreição e em glória. Eles não podiam compartilhar Seus sofrimentos expiatórios, ainda que compartilhassem vagamente Sua tristeza, embora em grande parte, sem dúvida, de uma maneira egoísta. Eles iriam em breve compartilhar Sua alegria.
O contexto do versículo 22 indicaria que o Senhor estava Se referindo não apenas à alegria que encheria os discípulos quando eles O encontrassem em ressurreição, mas também a sua alegria quando, pelo Espírito dado, eles teriam o conhecimento de Sua glória. Isto é ainda mais claro quando consideramos o versículo 23, pois “naquele dia” não indica meramente os quarenta dias durante os quais O viram antes de Pentecostes, mas todo o período caracterizado por Sua ausência e presença pessoal do Espírito na Igreja. Essa expressão “naquele dia” ainda não terminou o seu curso, e ainda temos o privilégio de orar no Espírito Santo, e, portanto, de pedir ao Pai em nome do Filho.
O Senhor usou duas palavras diferentes nesse versículo; “perguntar [demandar – JND] e “pedir”. O Senhor tinha atendido todas as demandas deles, e eles correram para Ele com todas as suas perguntas, mas agora aquele dia estava se encerrando. Mas Ele tinha revelado o Pai diante deles e, assim que o Espírito tivesse sido dado, aquela revelação se tornaria efetiva neles. Eles teriam o poder de ocupar seu lugar como representantes do Filho e assim pedir em Seu Nome. Pedindo assim sob a direção do Espírito, suas orações estariam asseguradas por uma resposta afirmativa, como sendo de acordo com a mente do Pai. Exemplos impressionantes de orações desse tipo são dados na parte final de Atos 4 e novamente em Atos 12. Verdadeiramente a oração de Estevão, à beira da morte, no último versículo de Atos 7, ilustra isso, pois a conversão do homem, que como um espírito maligno presidiu o seu martírio, foi uma resposta ao espírito do pedido: “Senhor, não lhes imputes este pecado”.
A mudança que seria introduzida pela vinda do Consolador ainda é o pensamento dominante no versículo 25. Isso afetaria a própria maneira como a verdade quanto ao Pai seria apresentada. Ele tinha dado a conhecer o Pai fazendo as obras do Pai. Todos os milagres, ou “sinais” registrados neste evangelho, tinham sido uma demonstração da graça e poder e glória do Pai, em parábolas ou de um modo alegórico. Quando nos voltamos para as epístolas, lemos declarações claras do Pai, Seus desígnios, glória e amor, dados por inspiração do Espírito Santo. Tudo isto aconteceu no dia do qual o Senhor estava falando, quando eles poderiam pedir com toda liberdade em Seu Nome como conhecendo o amor do Pai.
As palavras na última parte do versículo 26 não contradizem o fato de que Jesus é nosso Intercessor no alto. Elas apenas destacam o fato do amor do Pai pelos santos e o lugar de intimidade que eles têm em Sua presença. A atitude dos discípulos para com Jesus era, como mostra o versículo 27, de amor e fé. É essa a nossa atitude? Então também estamos sob a bênção do amor do Pai. Por isso, embora necessitemos profundamente da graciosa intercessão de Cristo por nós, em vista de nossa fraqueza e constante falha, como aqueles que estão neste lugar de amor e favor, mesmo assim não temos necessidade de intercessão para que possamos estar neste lugar. As almas criadas nas trevas do catolicismo podem imaginar que precisam exatamente do tipo de intercessão que é impedida aqui, eles apenas, tão frequentemente, afundam ainda mais ao pensar que a Virgem Maria ou algum “santo” menor deve realizá-la. Bendito seja Deus, não precisamos de nenhum intercessor desse tipo!
Os discípulos criam que Ele havia vindo de Deus, mas, até agora, mal haviam chegado ao pensamento de que Ele havia vindo do Pai, embora, como Suas palavras mostram, eles ainda não tivessem percebido suas limitações. Até que o Espírito fosse dado eles estavam limitados em entendimento, como mostra o versículo 31, e também em poder e coragem, como mostra o versículo 32. Os mesmos homens que estavam vacilantes em sua mente aqui, e que em poucas horas estariam espalhados e fugindo, foram juntados com mente de perfeito entendimento e com coração tão arrojado quanto ao de leões, quando o dia de Pentecostes se cumpriu. Entendimento e coragem: estas duas coisas devem nos caracterizar hoje. Mas nos caracterizam de forma prática?
Embora o Senhor não tivesse apoio dos Seus discípulos diante dessa hora sombria, Ele podia continuar em perfeita dependência do Pai e na segurança de Sua presença permanente. Por isso, confrontou o ódio e a oposição do mundo em perfeita paz e venceu-os completamente. Ora, o Senhor fez todas essas comunicações para que Seus discípulos, por sua vez, pudessem ter paz n’Ele, assim como Ele possuía paz no Pai. Sua vitória sobre o mundo, além disso, era a garantia de que o poder da vitória também estava à disposição deles. Ele acabara de falar do ódio e da perseguição do mundo. Para nós talvez suas seduções e sorrisos sejam mais perigosos. Mas, seja o que for, nossa segurança está em Cristo. Somente como nascidos de Deus e crendo que Jesus é o Filho de Deus, é que vencemos o mundo, como 1 João 5:4-5 nos diz.


[1] N. do T.: A palavra grega“hamartia”, traduzida pecado, significa errar o alvo; falhar em atingir a marca. É a falha do homem em alcançar a finalidade para a qual foi criado.

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