Em nosso evangelho Maria
Madalena aparece apenas em conexão com as cenas finais. Ela estava entre as últimas
em pé junto à cruz e entre as primeiras no sepulcro no dia da ressurreição. Não
é fácil juntar os registros dos quatro evangelistas para ver a sequência histórica
dos acontecimentos, mas parece que, tendo vindo com outras mulheres bem cedo, ela
saiu sozinha para informar Pedro e João que o sepulcro estava aberto e vazio e depois
voltou para a vizinhança do sepulcro.
As outras mulheres não
são mencionadas aqui. Nossos pensamentos estão concentrados em Maria Madalena, para
nos levar à instrução espiritual transmitida por meio de suas ações e seus lábios.
Que o Senhor era o Objeto
supremo e cativante diante dela é bastante evidente em suas palavras aos apóstolos,
como registrado no versículo 2. Sua escolha dos dois para quem ela foi é notável,
pois Pedro foi quem pecou tão gravemente antes. Ainda assim, ele amava o Senhor,
como o próximo capítulo registra, e João era o discípulo a quem Jesus amava. Pelo
lado deles, o amor pode ter sido um tanto eclipsado no momento, mas estava lá, e
Maria, em quem o amor estava ardendo brilhantemente, sabia disso.
Além disso, o amor foi
demonstrado, pela maneira como eles responderam ao anúncio que Maria trouxe. Isso
colocou os pés e o coração deles em movimento. Eles correram com ansiosa pressa
e João ultrapassou Pedro. A explicação natural, sem dúvida, era que ele era o mais
jovem; mas havia também uma explicação espiritual. João ficou mais profundamente
impressionado pelo amor do Senhor por ele, como mostrou pelo modo como falava de
si mesmo, enquanto Pedro estava sob a nuvem de ter confiado em seu próprio amor
pelo Senhor, que, quando testado, falhou em uma forma escandalosa e pública. Aquele
que é mais atraído pelo amor de Cristo corre mais depressa. Foi um caso de “Atrai-me Tu; correremos após Ti” (Ct 1:4
– TB).
Ainda Pedro, apesar de
seu fracasso vergonhoso, correu e, chegando ao sepulcro, foi o mais ousado dentre
os dois e foi direto para o interior. Isso levou João a se unir a ele e, portanto,
houve duas testemunhas do fato de que os lençóis de linho, nos quais o corpo sagrado
tinha sido envolvido, não estavam em desordem, mas de uma tal forma que sugeriam
que, longe de o corpo ter sido removido por outros, Jesus havia ressuscitado da
morte em uma tal condição que os lençóis do sepultamento estavam totalmente inalterados.
O versículo 19 do nosso capítulo mostra que, em Seu corpo ressurreto, portas fechadas
não era impedimento para nosso Senhor, assim, sem dúvida, os lençóis da mesma forma
foram deixados exatamente como estavam.
No versículo 8, João fala
por si mesmo – ele creu, embora estivesse aceitando apenas a evidência de seus olhos.
Pedro não é mencionado, pois a fé, embora pudesse estar lá, não está ativa quando
a alma está sob a tenebrosa nuvem de fracasso e pecado, e ainda não está restaurada.
Mas embora João cresse que sua fé era de um tipo pouco inteligente, pois ele, tanto
quanto o resto, ainda não estava iluminado para um entendimento da Escritura. Se
ele tivesse sido iluminado saberia que o Cristo deveria ressuscitar dos mortos (veja
Atos 17:3), o que teria explicado tudo. Então, embora houvesse fé, havia também
ignorância, e isso explica o que lemos no versículo 10. O exemplo dado por Pedro
e João no início da manhã do dia da ressurreição foi seguido à tarde por Cleofas
e sua companhia, conforme registrado em Lucas 24.
A conduta de Maria Madalena
se destaca num brilhante contraste com todo o resto. Os dois discípulos partiram
para sua casa convencidos de que o corpo de Jesus não estava ali. Maria estava igualmente
convencida, mas deixou sua casa e foi permanecer no sepulcro, chorando no
sentimento de sua desolação total. Eles conheciam o Senhor como Alguém que os havia
chamado de barcos e redes. Ela O conhecia como Alguém que a libertou das garras
de sete demônios. Foi uma libertação poderosa e ela O amava muito. Para ela, dois
anjos apareceram e não há registro de que ela tenha tido medo da presença deles.
Isso é notável, já que
nos outros evangelhos o medo é mencionado em conexão com cada aparição. O caso
dela evidentemente ilustra como uma poderosa afeição pode expulsar do coração todas
as outras emoções. Sua resposta à pergunta dos anjos mostrou como Jesus, a Quem
ela chamava de “o Meu Senhor”, monopolizava
todo o espectro de seus pensamentos. Ela reagiu como se encontrar anjos fosse uma
ocorrência diária. Ao procurar seu Senhor, ela perdeu o rastro e parece ter dado
como certo que os anjos estavam tão preocupados com o assunto quanto ela própria.
Mas, evidentemente, até agora, nenhum pensamento de Sua ressurreição havia cruzado
sua mente. Ela só pensava em outros removendo o corpo d’Ele. Ela estava procurando
um Cristo morto.
Naquele momento, o Senhor
ressuscitado interveio e ela se afastou dos anjos para encontrá-Lo ali, embora ela
não O reconhecesse. O mesmo aspecto caracterizou Seu encontro com os dois discípulos
indo para Emaús naquela tarde, e o resto dos discípulos no cenáculo naquela noite.
Era o mesmo Jesus, mas com uma diferença, devido ao fato de estar revestido de um
corpo ressuscitado – ressuscitado, embora ainda não glorificado – portanto, não
O identificaram imediatamente. Ela O confundiu com o jardineiro. Ele, o Grande Pastor
ressuscitado dos mortos, sabia bem que ali estava uma das Suas ovelhas inteiramente
dedicada a Ele, buscando somente a Ele mesmo e chorando porque não sabia onde encontrá-Lo.
Na simples pronunciação
do nome dela, Ele Se revelou a ela que imediatamente respondeu a Ele como seu Mestre.
Tudo o que está registrado, no entanto, nos versículos 11-15, mostra que ela estava
procurando o Seu corpo como morto e, portanto, seu primeiro pensamento ao achá-Lo
vivo foi sem dúvida o de uma retomada das associações na velha base, que prevaleceram
nos “os dias da Sua carne”. É isso que
explica a palavra inicial do Senhor para ela: “Não me toques” (TB). Em vista do novo relacionamento que Ele estava
prestes a anunciar a ela, e por meio dela aos outros discípulos, Ele mostrou a ela
dessa maneira decisiva que as relações não poderiam ser retomadas como eram antes.
Sua morte e ressurreição mudaram tudo. Ele não era menos Homem do que era antes
de morrer, ainda que tenha dado a Sua vida, Ele a tinha tomado novamente em um novo estado e condição adequados aos céus
em que Ele estava prestes a subir. Portanto, agora as relações com Ele devem estar
em uma nova base.
O Senhor acrescentou as
palavras “porque ainda não subi para Meu
Pai” como razão da Sua proibição. Assim, Ele evidentemente indicou que, quando
subisse a Seu Pai, Maria deveria estar em “contato” com Ele. Sua ascensão ao Pai
envolveu o derramamento do Espírito Santo sobre os discípulos, como foi feito
abundantemente claro neste evangelho – ver João 7:39, 14:16, 15:26, 16:13. Quando,
no Pentecostes, Maria, junto com os outros, ficou cheia do Espírito Santo, ela se
viu em seu espírito trazida a um toque muito mais íntimo com o seu Senhor ressuscitado
do que ela jamais experimentara nos dias de Sua vida.
Sem dúvida, os apóstolos
foram privilegiados muito além de nós mesmos na maneira como “ouviram”, “viram”,
“contemplaram”, “tocaram a Palavra da vida” (1 Jo 1:1). No entanto, enquanto caminhavam
com Ele na Palestina, o verdadeiro significado do que observavam era obscuro para
eles. Como João 14:17, 20 nos mostrou, foi somente quando eles tiveram
a habitação do Espírito que souberam que estavam n’Ele e Ele neles
– tinham Sua vida e um novo relacionamento foi estabelecido. Ora também temos o
Espírito de Deus, portanto, embora a manifestação objetiva nos tenha alcançado não
diretamente, como aconteceu com os apóstolos, mas apenas por meio de seus escritos
inspirados, a realização subjetiva pode ser nossa na medida completa. Fazemos bem
em refletir sobre esse assunto muito profundamente.
Outra coisa está neste
excelente versículo. Jesus chama os discípulos: “Meus irmãos”. Eles haviam sido anteriormente designados “os Seus” (Jo 13:1), e Ele os chamara de
“Meus amigos” (Jo 15:14), mas nenhum
deles indica o relacionamento da mesma maneira que “Meus irmãos”. Devemos aprender disso que Ele estabeleceu o relacionamento
como o Ressuscitado, que passou pela morte e triunfou sobre ela. Esse
relacionamento não existe em virtude de Sua encarnação, mas no poder de Sua ressurreição.
Ele realmente participou em “carne e sangue”,
e tomou “a semente de Abraão”, com vistas
ao sofrimento da morte. Tendo provado a morte por todos os homens e sido feito
perfeito por meio dos sofrimentos, Ele Se tornou o Príncipe da nossa salvação e,
assim como o Santificador, Ele reconhece aqueles a quem Ele santifica como Seus
irmãos. Isto é trazido diante de nós em Hebreus 2:9-16. Pela encarnação, Ele veio
para o nosso lado para que, em Sua perfeita e imaculada Humanidade, Ele pudesse
tomar nossa causa. Tendo a tomado, e por Sua morte e ressurreição, produzido libertação
para nós, Ele nos elevou para o Seu lado em identificação com Ele em vida ressuscitada.
Assim, o relacionamento não está na encarnação, mas na ressurreição. Isso também
é um ponto profundamente importante a ser lembrado.
A mensagem que Maria devia
transmitir aos outros discípulos anunciava a nova relação deles com Deus e não apenas
em relação a Si mesmo. Seu Pai é nosso Pai, Seu Deus é nosso Deus. Ele nos coloca
em Seu próprio relacionamento com Deus, mas é claro, de forma subordinada. Nosso
relacionamento com Deus brota do relacionamento d’Ele com o Pai e de nossas relações
com o Filho. Ele não disse “nosso” Pai
e Deus, como se Ele e nós estivéssemos no mesmo nível. Isso devemos observar cuidadosamente,
pois Sua completa preeminência deve ser sempre reconhecida com gratidão. Embora
Ele fale de nós como “Meus irmãos”, nunca
O encontramos sendo mencionado nas Escrituras como “nosso Irmão”, nem mesmo como
“nosso Irmão mais velho”. Tais termos tenderiam a nos fazer pensar d’Ele como se
Ele descesse ao nosso lado, em vez de Ele nos elevar para o Seu lado. Isso também
obscureceria Sua posição preeminente.
Em Sua maravilhosa vida
terrena, o Senhor Jesus havia revelado o Pai, pois o Pai habitou n’Ele, para que
Ele pudesse dizer: “quem Me vê a Mim, vê
o Pai”. Vimos isto quando consideramos o capítulo 14. Ele também ensinou os
discípulos a olhar para Deus como seu “Pai
celestial”, em conexão com todas as suas necessidades e circunstâncias neste
mundo, como os outros evangelhos mostram, mas uma revelação mais completa vem à
luz aqui. Não perdemos a bênção e o benefício da revelação anterior, assim como
não perdemos com a revelação d’Ele como o Todo-Poderoso ou como Jeová; mas precisamos
entender e nos regozijar no conhecimento de Deus como “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 1:3; 1 Pe 1:3). As palavras
do nosso Senhor para Maria foram a primeira indicação deste relacionamento mais completo e mais elevado,
e uma vez que isso veio à luz, as epístolas do Novo Testamento apresentam Deus para
nós dessa maneira. Ele é de fato um “Pai
celestial” para nós em todos os aspectos desta vida, mas não vamos tratar isso
como se fosse tudo. Nosso relacionamento adequado com Deus, como Cristãos, é nessa
base superior.
Maria Madalena – a mulher
com um sensível coração amoroso – foi a primeira a ouvir essas coisas maravilhosas,
e se tornou a mensageira delas para todos nós. Ela podia testemunhar que tinha visto
o Senhor e que Ele tinha feito essas comunicações para ela e, por meio dela, aos
outros.
No final do dia, o Senhor
apareceu a Simão Pedro e a Cleofas e sua companhia que viajavam para Emaús, embora
João não mencione essas manifestações. É claro, no entanto, dos outros evangelhos
que, como o dia da ressurreição avançava, os discípulos tiveram duas testemunhas
de Sua ressurreição – Maria e Pedro – e que o testemunho deles os reuniu em Jerusalém
à medida que a tarde se aproximava. Quando reunidos, Cleofas e sua companhia vieram
entre eles, fornecendo-lhes uma terceira e quarta testemunhas. Então, quando as
portas foram fechadas, o próprio Jesus Se colocou no meio deles, identificando-Se
com as mãos e o lado traspassados e enchendo o coração deles de alegria.
As portas estavam fechadas
por medo dos judeus. Sua presença como ressuscitado causou alegria ao se
interpor ao medo deles. Mesmo assim, ainda faltava um elemento, que só poderia ser
fornecido quando fossem cheios do Espírito de Deus. No dia de Pentecostes, o medo
foi engolido por completo e eles se encheram de ousadia e poder.
O Senhor Jesus Cristo,
necessariamente, ocupa sempre o lugar central. Ele o fez na morte, conforme registrado
no versículo 18 do capítulo anterior. Aqui Ele o faz em ressurreição, e assim houve
um cumprimento da Sua palavra registrada em Mateus 18:20. Na noite do dia da ressurreição,
os discípulos foram reunidos em Seu Nome, embora apenas crendo nas testemunhas de
Sua ressurreição. Ele entrou no meio deles em forma visível. A principal diferença
para nós hoje é que Ele toma o Seu lugar de forma invisível, onde os discípulos
estão reunidos em Seu Nome. Quando a Sua presença é percebida, o efeito é como aqui
– paz e alegria. A palavra da paz veio de Seus lábios. A alegria seguiu-se quando
seus olhos confirmaram a evidência fornecida por seus ouvidos.
Lucas nos diz, em Atos
1, que Ele Se mostrou vivo “com muitas e
infalíveis provas”, e preeminente entre elas estava a exibição para Seus discípulos
de Suas mãos e lado perfurados. Essas marcas sagradas O identificaram além de qualquer
dúvida. Morte e ressurreição tinham sido cumpridas, e elas eram como pilares gêmeos
nos quais a paz que Ele anunciava estava firmemente estabelecida. Duas vezes o Senhor
os saudou com paz em Seus lábios, pois Ele sabia muito bem que, até que isso fosse
cumprido no coração deles, teriam pouca habilidade para receber as coisas adicionais
que Ele tinha para lhes transmitir. É exatamente assim conosco hoje. Até que desfrutemos
da paz estabelecida com Deus, não poderemos fazer progresso espiritual.
Tendo anunciado a paz
pela segunda vez, o Senhor ressuscitado comissionou Seus discípulos em palavras
que, embora muito breves, estão cheias de profundo significado. Cada evangelho registra
uma única comissão, embora com diferenças características. Mateus registra isso
em termos que especificamente atingem um leitor judeu. Eles não deveriam mais fazer
discípulos da muito limitada esfera indicada anteriormente naquele evangelho (Mt.
10: 5-11), mas de todas as nações, e deveriam batizar no Nome que veio à
luz em Cristo, e não com o batismo de João ou algo parecido com isso. A comissão
lá é assim redigida para ter uma aplicação para aqueles que venham a fazer discípulos
depois que a Igreja se for. Em Marcos também é enfatizado o aspecto universal da
pregação e serviço apostólico. Este é o caso também em Lucas, onde a plenitude da graça parece ser o ponto; graça que
poderia começar em Jerusalém, o pior lugar, e se estender a todas as nações. Os
três evangelhos sinóticos têm isso em comum; a comissão em cada um deles diz respeito
à pregação e ao serviço dos apóstolos.
Mas em João, como convém
a esse evangelho, uma nota mais profunda é atingida. O Senhor Jesus fora enviado
do Pai, para que n’Ele o Pai pudesse ser feito conhecido. Como o décimo quarto capítulo
tornou tão claro, Ele estava no Pai quanto ao Seu ser, Sua vida, Sua natureza e,
consequentemente, o Pai estava n’Ele, e assim foi totalmente feito conhecido. Agora,
tendo morrido e ressuscitado, Ele estava indo para o Pai, mas estava deixando no
mundo discípulos, a quem agora Ele enviava para que fossem para Ele, segundo o
padrão da maneira como Ele fora enviado para ser para o Pai. Se, portanto, quisermos
entender a missão deles, devemos primeiro entender a missão do próprio Senhor como
enviado do Pai.
É notável quantas vezes
neste evangelho o Senhor é referido como aqu’Ele que havia sido enviado do Pai ao
mundo. Em palavras ligeiramente diferentes, isso é mencionado mais de quarenta vezes,
e podemos ver quão relevante é pelo fato de que Ele nos é apresentado como Alguém
que era Deus e estava com Deus. Ele não era, portanto, Um natural do mundo, como
se Ele tivesse saído daqui. Ele veio de cima e tudo o que Ele era trouxe Consigo.
Suas palavras e Suas obras eram todas do Pai. Agora uma coisa nova é levada a efeito,
e em sua instituição o Senhor estava cumprindo Sua própria declaração em Sua oração
ao Pai – veja João 17:18. Ele estava partindo e agora eles deveriam ser enviados
como vindos d’Ele.
O que estava por trás
desse envio era o fato de que eles também não eram do mundo como Ele não fora. Isso
também é afirmado em João 17:16. Houve essa diferença, contudo; uma vez que eles
eram naturais do mundo, então, no caso deles, havia um elo que precisava ser quebrado
e havia novos elos que precisavam ser formados. Isso imediatamente nos leva ao que
está estabelecido no versículo 22 do nosso capítulo.
As palavras de comissão
foram seguidas por palavras de concessão, juntamente com uma ação peculiar. Ele
soprou sobre – ou, mais corretamente, para – eles, e disse: “Recebei Espírito Santo” (JND), pois o artigo
definido “o” está ausente no original. Devemos observar a conexão entre isso e o
que é registrado quanto à criação de Adão em Gênesis 2:7. Quanto ao seu corpo, Adão
foi formado do pó da terra, mas a parte espiritual dele veio a existir pelo Senhor
Deus, soprando em suas narinas o fôlego de vida, e assim ele foi feito uma alma
vivente. Ora, nosso Senhor, que é o último Adão, é um espírito vivificante ou
doador de vida, como lemos em 1 Coríntios 15:45, e aqui vemos Ele soprando para
Seus discípulos Sua própria vida ressuscitada.
Mas sendo assim, por que
Ele disse: “Recebei Espírito Santo”?
Porque a Sua própria vida como o Homem ressuscitado é na energia do Espírito Santo.
Ele foi “morto na carne, mas vivificado no
Espírito” (1 Pe 3:18 – TB). No dia de Pentecostes, como registrado em Atos 2,
os discípulos realmente receberam o Espírito Santo, como uma Pessoa divina
habitando o próprio corpo deles, mas aqui temos algo preliminar a isso. No mesmo
dia em que Jesus entrou em Sua vida ressuscitada, conforme vivificado pelo Espírito
de Deus, Ele a comunicou aos seus.
Devemos conectar este
grande ato com o que precede e com o que se segue. Como eles poderiam ser enviados
ao mundo para serem para Ele como Ele havia sido enviado pelo Pai, a menos que possuíssem
Sua vida ressuscitada? A vida natural que eles tiveram de Adão não lhes deu nenhuma
competência para tal missão. Eles não tinham poder até que o Espírito Santo
foi derramado abundantemente no Pentecostes, mas eles agora tinham a vida e
a natureza que tornavam a missão possível. Não lemos sobre esta ação nos
outros evangelhos, mas lemos em Lucas 24:45, “Então abriu-lhes o entendimento para entenderem as Escrituras”
(JND). Essa abertura do entendimento deles foi, julgamos, o resultado do sopro de
Sua vida ressuscitada.
Em nosso evangelho, no
entanto, há duas coisas conectadas a isso: primeiro, deu-lhes a capacidade de serem
testemunhas no mundo como enviados por Ele; e em segundo lugar, foi-lhes confiado
o poder administrativo de perdoar ou reter pecados, não eternamente, é claro, mas
de forma governamental. No evangelho de Mateus, vemos que o Senhor, antes de Sua
morte e ressurreição, indicou que tais poderes deveriam ser conferidos a Pedro (Mt
16.19) e aos apóstolos como um todo (Mt 18.18), em cada ocasião esperando
ansiosamente pelo futuro. Aqui o poder é realmente conferido. Primeiramente,
sem dúvida, o poder era apostólico, e vemos Pedro empunhando esse poder em Atos
5:1-11, e o Espírito Santo ratificando a ação de Pedro de forma incontestável. Mas
em 1 Coríntios 5:3-5, 12-13, temos Paulo empunhando esse poder e convocando a Igreja
para agir com ele em reter o pecado do malfeitor. Em 2 Coríntios 2:4-8, encontramos
Paulo convocando a Igreja para reverter a ação em vista do arrependimento do malfeitor.
Eles deviam perdoar; e o versículo 10 desse capítulo é muito instrutivo em relação
a isso.
Em outros evangelhos,
o nome de Tomé aparece apenas na lista dos doze apóstolos: tudo o que sabemos dele
está contido em nosso evangelho. Isso é significativo. Ele é mencionado em João
11 e João 14 e suas palavras nessas ocasiões nos preparam para a luz na qual seu
caráter aparece aqui. Ele era evidentemente um homem de mente simples, prática
e sem imaginação, muito inclinado a ser materialista e, portanto, difícil de convencer
de qualquer coisa que estivesse fora do plano da experiência humana comum. Estamos
agora muito próximos do versículo que declara o objetivo para o qual este evangelho
é projetado para nos conduzir, e estamos considerando o último e maior dos sinais
que João trouxe diante de nós. Por isso o caso de Tomé é de particular valor neste
evangelho.
Ele não estava presente
na noite do dia da ressurreição e, portanto, quando ouviu o testemunho dos outros
discípulos, que eles condensaram em três palavras da mais profunda importância:
“vimos o Senhor”, ele não estava preparado
para aceitar isso. Em um espírito de duvidosa teimosia, ele declarou que, a não
ser que tivesse evidências visíveis e tangíveis do tipo mais indubitável, evidências
que mais claramente identificassem aqu’Ele que apareceu com aqu’Ele que morreu na
cruz, ele não iria acreditar. Desafiando assim o testemunho do discípulo, ele estava
realmente lançando um desafio ao seu Senhor ressuscitado, o qual, se aceito, colocaria
Sua ressurreição além de toda questão, no que dizia respeito a Tomé.
O Senhor em graça condescendente
aceitou o desafio uma semana depois. Mais uma vez Ele apareceu no meio deles embora
as portas estivessem fechadas. Novamente Ele os saudou com as palavras “Paz seja convosco”. Então Ele ordenou a
Tomé que fizesse exatamente o que ele havia dito, que ele pudesse ter não apenas
o visível, mas também a evidência tangível que ele desejava. E não apenas isso,
pois Ele deu um sinal espiritual também. Suas palavras a Tomé revelaram que o desafio
lançado quando Ele não estava visivelmente presente era perfeitamente conhecido
pelo Senhor ressuscitado. No final do capítulo 1, tivemos um incidente semelhante.
Jesus mostrou a Natanael que Ele o havia visto quando ele se considerava despercebido
sob a figueira, e Natanael foi convencido e O confessou como o Filho de Deus e o
Rei de Israel.
Isso foi nos dias de Sua
carne, mas Ele Se revelou como aqu’Ele que tudo vê. Aqui os dias da Sua carne
terminaram e Ele ressuscitou, mas Ele é revelado como aqu’Ele que tudo ouve. O
efeito sobre Tomé com relação a tudo isso foi desnorteante. O obstinado duvidoso,
quando está convencido, está realmente convencido! Poucos minutos atrás, ele estava
se arrastando de longe, muito atrás dos outros discípulos, agora em sua confissão
arrebatadora ele vai a um limite definitivamente além deles. Natanael foi explícito
em sua confissão no início: Tomé no final é ainda mais explícito. Apenas cinco palavras!
Mas que palavras eram elas – “Senhor meu
e Deus meu”!
Aqueles que negam a Deidade
de nosso Senhor têm procurado invalidar a força desta frase tratando como sendo
uma mera exclamação, dirigida a ninguém em particular, mas o registro distintamente
declara que as palavras foram ditas ao Senhor, sendo a forma delas no original muito
enfática, já que ele usou o artigo definido duas vezes. Jesus ressuscitado era o
Senhor e o Deus para ele. E o que é mais significativo ainda, o Senhor
respondeu: “Tomé, creste...”. Além de toda a dúvida, Ele tratou
a exclamação cheia de gozo de Tomé como fé apoderando-se do FATO. Em outras palavras,
Ele aceitou a confissão como sendo verdadeira. Não há pecado maior do que um mero
homem aceitar honras divinas ou adulação, como testemunha o golpe drástico em Herodes,
registrado em Atos 12. Quando João caiu diante de um anjo e a respeito de adorá-lo,
a resposta instantânea foi: “Não faças
tal” (Ap 22:9). Em vez de repreender Tomé, Jesus aprovou sua confissão e chamou-a
de fé.
A plena Deidade de Jesus
sendo assim reconhecida, chegamos ao fim para o qual o evangelho é projetado para
nos conduzir. Muito apropriadamente, portanto, os versículos 30 e 31 fecham este
capítulo. Somos lembrados de que todos os sinais miraculosos registrados são apenas
uma pequena fração do todo. Entretanto, aqueles que estão registrados são bastante
suficientes, e neste evangelho eles são especialmente selecionados para oferecer
um amplo terreno para a fé em Jesus como o Cristo, o Filho de Deus, pois é a fé
nisto que traz vida por meio do Seu Nome.
Note que a última e conclusiva
prova de que Jesus é o Filho de Deus é que Ele aceitou a atribuição da Deidade a
Si mesmo. Podemos dizer que, se Ele é Deus, Ele é o Filho de Deus; e, inversamente,
que se Ele é o Filho de Deus, Ele é Deus. Note também que Sua Filiação é o grande
ponto no evangelho que O delineia desde as profundidades insondáveis da eternidade
passada, e não dá detalhes do nascimento virginal. Se realmente aceitarmos este
evangelho em fé, não teremos dúvidas de que Sua Filiação é eterna e não algo assumido
no tempo.
Antes de deixarmos este
capítulo, temos apenas de assinalar o significado das palavras do Senhor no versículo
29. Há algo melhor do que aceitar provas oculares e tangíveis, e isso é crer
na Palavra sem qualquer demonstração como essa de Tomé. Ele sem dúvida ilustra
a maneira pela qual um remanescente piedoso de Israel vai descobrir a verdade em
um dia vindouro. A palavra do profeta deve ser cumprida: “Olharão para Mim, a Quem traspassaram” (Zc 12:10), e então clamarão:
“Deus meu, nós, Israel, Te conhecemos”
(Oseias 8:2). A maior bem-aventurança dos que creem sem ver é a porção de todos
os que recebem na fé o evangelho hoje, seja judeu ou gentio.
Não podemos render a Deus
nenhum tributo que seja mais agradável a Ele do que aquele de recebê-Lo plena e
simplesmente por Sua palavra, sem pedir qualquer confirmação por vista ou por sentimento.
Como a luz pode ser decomposta nas cores do arco-íris, assim o Nome Divino contém
muitas características de igual valor e importância, mas enfatiza especialmente
a verdade e confiabilidade de Sua Palavra – “engrandeceste a Tua Palavra acima de todo Teu Nome” (Sl 138:2). Vendo
que no princípio o pecado entrou pela descrença na Palavra Divina, quão apropriado
é isto! A presente época do evangelho é peculiarmente a época em que os homens creem
sem ver – “Ao Qual, não O havendo visto,
amais; no qual, não O vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e
glorioso; Alcançando [recebendo
– JND] o fim da vossa fé, a salvação das
almas” (1 Pe 1:8-9).
Essa Escritura nos dá
um vislumbre da bem-aventurança especial da qual o Senhor falou a Tomé. Ela pode
ser nossa, e quanto mais aguçada e simples for nossa fé, mais profunda será a medida
que ela será nossa. Que a completa bem-aventurança seja conhecida por cada leitor
dessas linhas.