Aqui encontramos os judeus
de Jerusalém adotando uma atitude de hostilidade homicida, e então Seus irmãos segundo
a carne são vistos em um estado de espírito cético[1]. Eles
realmente ainda não criam n’Ele, não entendiam seus métodos nem porque evitava Sua
publicidade ostensiva. Eles desejavam que Ele exibisse Seus poderes na capital de
uma maneira a atrair o mundo para Si mesmo. O Senhor recusou o conselho deles. O
mundo não poderia odiá-los, pois eles ainda não estavam de forma alguma separados
do mundo. Odiavam a Ele porque desde o início estava essencialmente separado do
mundo e testemunhou contra as suas más obras.
Além disso, Ele só agia
de acordo com a vontade do Pai e, portanto, a Sua hora ainda não havia chegado.
Eles agiam de acordo com seus próprios pensamentos e, portanto, qualquer tempo era
o tempo deles, de acordo com o espírito do mundo. Se lermos 1 João 3:12-13, vemos
que a situação na qual o Senhor foi encontrado foi tipificada pela de Abel. Suas
obras justas, em nome de Seu Pai, testificavam contra as más obras dos judeus, e
eles estavam planejando Sua morte, e a iriam cumprir quando Sua hora houvesse chegado.
No momento apropriado, Ele subiu à festa dos Tabernáculos, enquanto muitos O procuravam
e outros discutiam sobre Ele em particular. Isso nos mostra que a massa do povo,
embora não identificada com os líderes que queriam matá-Lo, era também indiferente.
Eles estavam cheios de curiosidade e perguntas,
e discutiram suas opiniões variadas, mas eles não foram suficientemente movidos
para chegar a uma decisão. É como a situação hoje! Alguns se opunham
mortalmente, alguns falsos discípulos céticos estavam preparados para trair, as
massas eram indiferentes, mas alguns, como Pedro e os dez, descobrindo o Senhor
da vida, que não tem rival.
No meio da festa, Jesus
apareceu e ensinou. Imediatamente o poder de Suas palavras foi sentido e o questionamento
é levantado. Ele não havia passado pelas escolas dos homens, mas mesmo assim ensinava!
Como era isso? Ele respondeu à pergunta deles dizendo que Seu ensinamento procedia
daqu’Ele que O enviou. Ele tinha vindo para proferir Suas palavras e estava fazendo
isso com perfeição. Qualquer dificuldade que seus questionadores sentiam provinha
da própria atitude deles. Se ao menos eles tivessem um desejo real de fazer a vontade
de Deus, teriam reconhecido que Seu ensino era de Deus. Se desejarmos fazer a vontade
de Deus, seremos necessariamente marcados pela sinceridade e pela sujeição,
e nossas convicções se tornam claras e corretas. Sombras de dúvidas encobrem
a mente daqueles que são meramente superficiais ou curiosos.
Jesus estava de fato falando
não de Si mesmo, mas de Deus, e assim Sua verdade e justiça eram manifestas. Ele
veio para buscar a glória de Deus, em vez de buscar a Sua própria, falando de Si
mesmo. Se tinha sido injustiça para Ele ter buscado a Sua própria glória, embora
toda a glória fosse justamente Sua, quanto mais injusto é para qualquer um de nós,
que O servimos, buscar a nossa própria glória, visto que com razão não temos glória
alguma. Um pensamento muito penetrante e convincente para todos nós! O padrão que
o Senhor estabeleceu é o teste para nós.
Para o povo, no entanto,
Moisés foi o teste, e julgado por isso, todos eram culpados. Jesus sabia que eles
procuravam matá-Lo, e aqui estava uma violação mais flagrante da lei de Moisés.
A multidão repudiou o que Ele disse, e é possível que ignorassem os artifícios de
seus líderes; mas eles mostraram sua animosidade pela terrível acusação de que Ele
tinha um demônio. Jesus respondeu referindo-Se ao milagre de João 5, realizado em
Sua visita anterior a Jerusalém, e mostrando-lhes quão injustos e superficiais eram
seus julgamentos por causa de suas práticas em relação à circuncisão. Outros intervieram
neste ponto e, por suas observações, confirmaram a afirmação do Senhor sobre a intenção
homicida deles e derrubaram o repúdio do povo quanto a essa intenção. No entanto,
eles não acreditavam n’Ele; eles tropeçaram imaginando que conheciam Sua origem humana. Ainda assim, a realidade
das coisas ficou clara por esses homens em consequência da contradição mútua
deles.
Conhecendo suas palavras,
Jesus os apanhou em Seu ensino no templo, mostrando que, embora O conhecessem e
soubessem que ele havia vindo da carpintaria em Nazaré, não conheciam aqu’Ele que
O enviara. Eles tinham algum conhecimento quanto ao lado humano, mas quanto ao lado
divino, eles eram totalmente cegos. No entanto, houve aqueles impressionados com
Seus milagres e inclinados a acreditar que Ele poderia ser o Messias. Os fariseus
e principais sacerdotes permaneciam em implacável hostilidade e enviaram alguns
para prendê-Lo, mas a Sua hora ainda não havia chegado. Eles não tinham poder real
contra Ele, e os versículos 33 e 34 mostram isso. Quando a Sua hora chegasse, muito
em breve, Ele iria àqu’Ele que O
enviara e passaria por uma região em que jamais entrariam – uma região em que Ele
sempre habitou. Ele falou assim de Sua morte e ressurreição de um ponto de vista
muito exaltado. Os versículos 35 e 36 nos revelam, mais uma vez, a total incapacidade
deles. Eles não tinham a menor ideia do significado de Suas palavras.
No oitavo dia da festa
dos Tabernáculos deveria haver “santa convocação”,
de acordo com Levítico 23. Naquele dia, quando a alegria do povo deveria atingir
seu clímax, Jesus fez Seu segundo grande pronunciamento sobre os rios de “água viva”. Ele sabia que nenhum desses
festivais judaicos saciava a sede dos homens, e que havia alguns que estavam conscientes
disso. Então, Ele os convidou para virem a Ele e beberem, porque pela fé em Si mesmo
o Espírito estava prestes a ser ministrado. Ele havia falado à mulher de Samaria
da habitação do Espírito como uma fonte; agora Ele fala daqu’Ele mesmo Espírito
correndo como um rio. Desde as partes internas do crente, esses rios devem fluir.
O significado da figura parece ser que o Espírito deve ser não apenas recebido,
mas espiritualmente assimilado, se o fluxo ocorrer. Os rios fluirão do seu “ventre” e não de sua cabeça.
Isso deve ocorrer “como diz
a Escritura”, isto é, não é a citação de uma declaração escrita, mas algo indicado
de uma maneira mais geral. Por exemplo, Ezequiel 47:1-9, previu que as águas deveriam
fluir do templo milenar e que suas águas deveriam ser vivas, uma vez que “tudo viverá por onde quer que passe este rio”
(ARA). Além disso, “o nome da cidade desde
aquele dia será: o Senhor está ali” (Ez 48:35). As águas vivas irão sinalizar
o fato de que o Senhor vivo está no meio deles. Mas o Espírito deveria ser dado
quando Jesus fosse glorificado no alto,
muito antes do Dia Milenar ser alcançado, e Ele sinaliza Sua presença e Sua habitação
nos crentes pelo transbordar das águas vivas de um modo espiritual e não material.
A Escritura, assim, tem falado dessas coisas. Vemos repetidamente confirmado o fato
de que o que Israel desfrutará de maneira mais material naquela época é para ser
conhecido pelo crente de maneira espiritual nesta presente época.
O versículo 39 é importante
para definir claramente a relação entre a glorificação de Jesus e o derramamento
do Espírito. Por esse ato a Igreja deveria ser formada e o corpo unido à sua Cabeça.
Jesus estava aqui encarnado, mas antes de Ele assumir essa liderança íntima, como
Senhor e Cristo, quatro passos adicionais foram necessários – morte, ressurreição,
ascensão, glorificação. Então o Espírito Santo foi derramado e as águas vivas começaram
a fluir em Jerusalém e em outros lugares. Olhando para o futuro, o Senhor Jesus
prometeu isso e não deu nenhuma qualificação a “quem que crê em Mim”. Não foi somente para a era apostólica, mas para
nós também. Por que os rios são tão pouco vistos? Não é porque nossas partes internas
foram entupidas com outras coisas e estão pouco abertas às operações de Deus?
Os versículos 40-44 nos
mostram as pessoas ainda hesitantes e confusas. Alguns expressaram uma opinião e
outra. Alguns O teriam entendido, mas ninguém o fez. Parecia que ia terminar em
discussões fúteis; mas revelou a presença de uma profunda fenda de divisão. Há muitos
modos de ser contra Cristo e somente um modo de ser a favor d’Ele – a maneira que
vimos Pedro tomar no final de João 6. A fenda, como um grande desfiladeiro do rio
Colorado nos Estados Unidos, existe hoje, e todas as outras rachaduras entre os
homens são apenas valas rasas comparadas com isso. Ainda existe uma dissensão entre
as pessoas por causa d’Ele.
No final do sexto capítulo,
tivemos o tributo de Pedro ao poder sobrenatural das palavras do Senhor; elas eram
“palavras da vida eterna”. Agora percebemos
que o mesmo poder foi sentido por homens que estavam do lado oposto da profunda
fragmentação que atravessava a nação. Os líderes religiosos enviaram homens para
prendê-Lo, mas voltaram sem Ele. A única explicação que deram de seu fracasso em
tocá-Lo foi: “Nunca homem algum falou assim
como este Homem”. Eles não entenderam o que Ele disse, mas sentiram que nenhum
homem comum jamais falou como Ele; Suas palavras O colocaram em uma categoria completamente
diferente. Eles podem ser ignorantes, mas suas sensibilidades não estavam totalmente
mortas.
Seus líderes, que os haviam
enviado, não tinham apenas falta de sensibilidade, mas também de escrúpulos. Eles
não tinham falta de um imenso conceito de si mesmos; tanto que estavam certos de
que sua própria rejeição de Jesus seria incontestável e tão definitiva que todos
deveriam aceitá-la. Se a multidão, ou qualquer um dela, não a aceitasse, isso apenas
mostrava que a multidão era ignorante e maldita. Então esses falsos pastores apenas
amaldiçoaram as ovelhas, e a deixaram assim. No entanto, sua própria ignorância
começou a aparecer, pois o efeito da presunçosa pergunta deles sobre se algum dos
principais ou dos fariseus havia crido n’Ele, foi arruinado por Nicodemos, que era tanto um principal como um fariseu. Embora ainda
não estivesse preparado para se mostrar como um crente definitivo, ele revelou pela
sua pergunta que ele não se conformava com a incredulidade deles. Além disso, o
desprezo deles pela Galileia só revelou a ignorância deles de onde Cristo tinha
vindo.
A cena apresentada a nós,
nestes versículos finais, mostra que existe uma semelhança surpreendente entre os
religiosos modernistas de hoje, e esses homens. É verdade que a Palavra de Deus
escrita está mais em questão agora do que a Palavra Viva como então, mas existe
exatamente a mesma presunçosa afirmação do lugar supremo da habilidade e conhecimento
humanos. A frase moderna é: “Todos os estudiosos concordam...” concordam em negar
ou mesmo ridicularizar a Palavra de Deus. Mas agora, como naquele momento, todos
os eruditos NÃO estão de acordo, e os dissidentes não são apenas uma unidade como
Nicodemos no Sinédrio, como também a fé desses dissidentes em Cristo e Sua Palavra
é muito mais clara e mais definida que a de Nicodemos. Além disso, como os antigos
religiosos, os espécimes modernos são tão errados em seus fatos básicos. Cristo não era “da Galileia” como deveriam saber; mas eles não se preocuparam em olhar
por baixo das aparências superficiais. A descrença moderna é rica em especulações,
suposições, fantasias e, tristemente, falida quanto a fatos sólidos.
[1] N. do T.: Ceticismo é uma corrente de pensamento segundo a qual o
espírito humano não pode ter certeza absoluta de alcançar a verdade e deve
abster-se de julgar. Diz, também, que toda afirmação deve ser submetida a uma
constante dúvida.