Este capítulo nos traz
de volta à Galileia, e lemos sobre outro dos grandes “sinais” que Jesus fez. O milagre de alimentar os cinco mil tem evidentemente
uma importância especial, já que é relatado em cada um dos quatro evangelhos. Nosso
capítulo nos dá o ensinamento, baseado nele e relacionado a ele, o que torna aparente
a sua significância. O próprio milagre é descrito de maneira a enfatizar o recurso
e o pré-conhecimento do Senhor.
Jesus primeiro Se dirigiu
a Filipe. Agora, este foi o discípulo que acreditou nos escritos de Moisés, como
vimos em João 1:45; no entanto, quando testado aqui, ele não enxergou além do poder
de compra do dinheiro. O próprio Jesus “sabia
o que havia de fazer”. Em tal emergência, o melhor que poderia ser dito de outros
servos de Deus seria que, não sabendo o que fazer, eles procuravam por orientação
de Deus e conseguiam. Mas aqui estava Um, que sabia o que fazer, e sabia que Ele
tinha o poder para fazer isso. Antes de André falar sobre o rapaz com seus pequenos
pães e peixes, Ele sabia a respeito deles. Ter tal conhecimento e exercer tal poder
a ponto de saber com absoluta certeza o que se fará é prerrogativa da Deidade. Declarações
como esta são comuns neste evangelho: veja João 2:24-25, 13:3, 18:4.
Embora Seu conhecimento
e poder fossem tais, Ele não desdenhou os pequenos suprimentos de que o rapaz dispunha,
nem ignorou os discípulos com seu pequeno entendimento e sua débil fé. Ele fez deles
os distribuidores de Sua generosidade. O suprimento inicial de comida era do rapaz;
as mãos que distribuíam eram as dos discípulos; o poder e a graça eram d’Ele e só
d’Ele. Tão manifesto foi isto para os homens que participaram da abundância, que
eles a conectaram com o céu, e declararam que Ele deveria ser o Profeta que deveria
vir ao mundo, como Moisés dissera. As pessoas foram levadas a essa conclusão em
várias ocasiões – veja João 4:19, 7:40, 9:17 – contudo, para que fosse duradouro,
isso tinha que ser o ponto de partida para conclusões mais profundas. Em João 4,
isso levou ao convencimento de que Ele era o Cristo: em João 9, para a conclusão de que Ele era
o Filho de Deus.
Com esses homens, os pães
e os peixes haviam adquirido muita importância, e desejando uma continuação de suprimentos
tão facilmente adquiridos, eles se aconselharam a levá-Lo a força e fazer Rei a
Esse Profeta. Ora acabamos de ouvi-Lo dizer: “Eu não recebo testemunho de homem”, e novamente: “Eu não recebo glória dos homens”, por isso
não ficamos surpresos ao descobrir que Ele não receberá um reino das mãos dos homens.
A glória do maior reino terreno, que o homem pode erigir, é apenas ouropel[1]
diante d’Ele. Então partiu para a solidão de uma montanha, enquanto os Seus discípulos
partiram para atravessar o lago. Mateus 14:22 nos diz que Ele obrigou Seus discípulos
a entrar no barco enquanto Ele sozinho despedia as multidões. O relato de João explica
Suas ações. Eles poderiam facilmente, e levados pelo entusiasmo, cair pelas propostas
do povo, mas Ele propositalmente tirou-os da cena da tentação.
Mas embora Ele não aceitasse
nenhuma realeza terrena por voto democrático, Ele Se mostrou ser Senhor pleno em
outras esferas, embora a manifestação disto fosse somente para os olhos de Seus
discípulos. Tanto o vento quanto o mar podem exibir uma força nas garras das
quais o homem é apenas um brinquedo e um divertimento, mas sobre os quais Ele é
o Senhor supremo. Os discípulos em seus dias precisavam apreendê-Lo nessa luz,
assim como nós em nossos dias. Um reino terrenal com abundância de alimento facilmente
apela para uma mente carnal. A mente espiritual é formada por conhecê-Lo como o
Senhor dos ventos e das ondas, e dos poderes que eles representam. Revelando-Se
assim aos discípulos, seus medos foram dissipados, e eles se viram imediatamente
conduzidos ao seu destino, quando de bom grado O receberam no barco. Reflita sobre
este incidente com cuidado, pois nós, muito especialmente, precisamos conhecê-lo
dessa maneira. Ele hoje não está tratando com um reino terrenal, mas provando-Se
supremo acima das forças adversas, enquanto conduz Seus santos através
delas.
A multidão não sabia nada
de Sua travessia milagrosa do mar, mas eles sentiram que algo incomum havia acontecido,
e procuraram-no do outro lado, desejando satisfazer sua curiosidade quanto ao modo
de Sua travessia. O Senhor não a satisfez, mas ao mesmo tempo mostrou-lhes que Ele
conhecia os pensamentos escondidos no coração deles. A visão de milagres não é suficiente,
como aprendemos em João 2:23-25, mas até mesmo a visão foi suplantada pela comida
que perece: Ele, o Filho do Homem, selado pelo Pai, era o Doador da comida que permanece
para a vida eterna. Eles deveriam procurar isso.
Sua resposta a esses homens
tem uma forte semelhança com Sua aproximação à samaritana, em João 4: ali a água
estava em questão, aqui o pão; mas em ambos os casos a conhecida substância material
foi transformada em um símbolo de grande realidade espiritual, e o ouvinte colocado
face a face com aquilo, embora não haja evidência de que esses homens tenham
recebido a bênção como a mulher recebeu. A “água
viva” era o Espírito que Ele daria. O “pão
vivo” era o próprio Cristo, descido do céu, o alimento da vida eterna para os
homens. Esse alimento somente pode ser recebido como uma dádiva na qual toda a Divindade
está considerada, uma vez que ela vem do Filho do Homem, selado pelo Pai – e esse
selo, sabemos, era pelo Espírito.
A princípio, a mulher
não entendia a importância das palavras do Senhor além do que esses homens
entendiam, mas a resposta dela foi: “Senhor,
dá-me”, enquanto a deles foi:
“O que faremos para executarmos...?” Uma diferença reveladora essa! A pergunta
dos homens imediatamente trouxe a afirmação de que a fé no Enviado de Deus é o começo
de toda obra que está de acordo com Deus. Se os homens não creem n’Ele que é Quem
Deus enviou, em nenhum sentido apropriado creem em Deus, e permanecem na morte espiritual,
uma vez que a vida lhes é apresentada n’Ele. Infelizmente eles não creram, como
mostra o versículo 30, mas, ao contrário, exigiram um sinal, sugerindo que, se fosse
espetacular o suficiente, criaria fé no coração
deles. E então, prevendo que Ele poderia encaminhá-los para o sinal da multiplicação
dos pães e peixes, que eles tinham acabado de testemunhar, tentaram desconsiderar
o sinal referindo-se ao milagre do maná, ministrado aos seus pais no deserto por
Moisés pelo espaço de quarenta anos.
Isso evocou a declaração
enfática do versículo 32. Não foi Moisés, mas Deus Quem deu esse pão do céu, que
era apenas uma figura do verdadeiro. O verdadeiro pão do céu é o dom de Deus, e
Ele agora estava sendo revelado como Pai por aqu’Ele que era esse Dom. Ele próprio
desceu do céu como o Doador da vida para o mundo. Nas coisas naturais, o pão apenas
sustenta a vida e não a dá, em nenhum sentido; mas o espiritual sempre transcende
o natural. A figura material serve para direcionar nossos pensamentos para o fato
divino, mas nunca pode conter sua plenitude. Jesus estava aqui como o Doador e o
Sustentador da vida; e isso em relação ao mundo e não apenas à pequena nação judaica, entre os quais Ele Se movia.
Já notamos esta característica antes: o Verbo tendo Se tornado carne, não pode ser
confinado em Sua luz e poderes de conceder vida a qualquer círculo menor que o mundo.
A resposta deles a isso,
no versículo 34, parece mais encorajadora, mas nela não havia fé, como mostra o
versículo 36. Conduziu, no entanto, ao Senhor, apresentando-Se clara e definitivamente
como o pão da vida e afirmando que, ao chegar a Ele com fé genuína, todo desejo
encontraria sua satisfação. O dom do Espírito que vinha d’Ele leva à satisfação
do coração em João 4. Aqui, a recepção d’Ele mesmo em fé leva à mesma abençoada
consumação. No conhecimento d’Ele próprio, toda a plenitude da Divindade é revelada
a nós e pode ser apropriada por nós. Isso é o que satisfaz. Estes homens não mostraram
nenhum sinal de vir a Ele, mas o Pai estava ativo em Seu propósito e graça, e então
haveria uma resposta.
Nesse contexto, está aquela
grande e segura afirmação do evangelho: “o
que vem a Mim de maneira nenhuma lançarei fora”. Em João 3:32, vimos que, “ninguém aceita o Seu testemunho”, mas alguns
receberam o Seu testemunho. Agora, pela primeira vez, descobrimos o que está por
trás do paradoxo. Há a graça soberana do Pai, a qual deu alguns ao Filho, e estes,
sem exceção, vêm a Ele. Esses felizes indivíduos são impelidos para Ele, no que
diz respeito à sua própria consciência, por uma variedade de coisas, diferindo
umas das outras em quase todos os casos; mas, sustentando tudo, como a explicação
final, está este dom do Pai para Cristo – um dom de amor, podemos chamá-lo.
Tudo o que o Pai tem dado
vem, e nenhum que vem é lançado pelo Filho; e isso não somente por causa
de Sua própria graça e amor pessoal pelos tais, mas porque eles são o dom do Pai,
e porque o próprio objetivo de descer do céu era para cumprir a vontade do Pai,
e assim revelar o coração do Pai. O Pai os deu para que, vindo ao Filho, Ele pudesse
ser para eles o Doador e o Alimento da vida e, assim, o Pai sendo feito conhecido
a eles, poderiam estar realmente satisfeitos. Não há possibilidade de qualquer deslize
entre o dom do Pai e a recepção do Filho. Quando observamos o contexto e o
direcionamento da passagem, vemos quão justamente e de forma feliz o evangelista
direciona as palavras de ouro à alma ansiosa, que está se voltando para Cristo e
prestes a vir a Ele: “o que vem a Mim de
maneira nenhuma lançarei fora”.
Então, novamente, a vontade
do Pai não é apenas que o Filho receba em poder vivificante aquele que vem a Ele
agora, mas que tudo deve ser consumado em ressurreição no “último dia”. Os judeus tinham a luz do Velho Testamento, e aguardavam
o tempo da presença e glória do Messias como o último dia. As palavras do Senhor
aqui confirmam plenamente o pensamento e mostram que, embora possamos ter a vida
agora em um mundo que é marcado pela morte, devemos conhecer a plenitude dela na
era que está por vir. Quão deleitosa é a conexão entre os versículos 37 e 39 – ninguém
será lançado e nada (TB) será
perdido enquanto nos movemos em direção ao dia de glória; e ambos estão de acordo
com a vontade do Pai.
O versículo 40, embora
expressando a mesma verdade do versículo 39, amplifica-a um pouco. As mesmas pessoas
estão em vista, mas descritas primeiramente como “tudo o que Ele Me tem dado” (v. 39 – TB), e então como “todo aquele que vê o Filho e crê n’Ele”
(v. 40). A primeira descreve do ponto de vista do propósito divino; a segunda mostra
a ação correspondente de fé em nossa vida responsável aqui. Esse “ver” o Filho é, cremos, tanto fé quanto
crer n’Ele. Muitos foram os que viram Jesus enquanto Ele andava na Terra sem “ver o Filho” em qualquer sentido verdadeiro.
Mas onde os olhos estavam espiritualmente abertos, e eles viram o Filho e creram
n’Ele; a vida eterna foi recebida no presente (veja cap. 20:31), e o mundo da vida
ressurreta será introduzido no último dia.
Os judeus prontamente
se mostraram totalmente sem fé. Eles só viram o Homem Jesus, achando que conheciam
Seus pais; que Ele era o Filho, vindo da semente de Davi segundo a carne (Rm 1:3),
foi totalmente despercebido por eles. Assim, eles deixaram claro que não tinham
parte nem porção nesse assunto. Eles eram estranhos àquele plano do Pai, fora o
qual nenhum homem realmente vem a Cristo.
Versículos 39, 40 e 44,
terminam cada um com ressurreição. Eles colocam diante de nós o dom do Pai ao Filho
segundo Seu propósito, Seu plano para tornar eficaz o dom, e a fé resultante de
nosso lado, que leva à possessão presente da vida eterna, e a certeza de seu fundamento
na ressurreição. O Senhor encontrou em Isaías 54:13 uma previsão dessa obra interior
do Pai; e Ele sabia que o que vai fazer nos filhos de Israel, que será redimido
e restaurado quando a era vindoura chegar, Ele estava fazendo então, e Ele ainda
está fazendo hoje. Nenhum homem viu o Pai de maneira natural. Somente aqueles que
são “de Deus” O veem; e isso por fé.
Os versículos 40 e 46
estão ligados entre si pelas duas expressões: “vê o Filho” e “vê o Pai”.
A fé é necessária para ambos, e o Pai só é visto se o Filho for visto. Portanto,
tenhamos cuidado com teorias que adulteram a filiação de Jesus. A Paternidade divina
e eterna não pode ser retida se a Filiação divina e eterna for descartada.
O murmúrio dos judeus
invocou outro daqueles convincentes pronunciamentos de ênfase especial, que são
frequentes neste evangelho. Jesus é o pão da vida, e aqueles que O apropriam pela
fé têm vida eterna. Este grande fato permanece sem qualquer reserva ou qualificação.
O maná no deserto havia sido lembrado pelos judeus; o Senhor agora o usa em acentuado
contraste Consigo mesmo. Seus pais estavam mortos, embora tenham participado do
maná. Ele era o pão que desceu do céu, e participar d’Ele significava libertação
da morte. Seus pais estavam mortos tanto espiritualmente quanto fisicamente, pois
não tinham fé (veja Hb 3:19), embora comessem o maná. O homem que come o pão que
desce do céu nunca morre espiritualmente, aconteça o que acontecer com ele fisicamente.
Nos versículos 50-58,
o Senhor fala de comer d’Ele mesmo ou da Sua carne como o pão vivo não menos que
sete vezes, e de beber o Seu sangue três vezes. Sua linguagem é figurativa, mas
muito simples. Aquilo que comemos e bebemos nos apropriamos da maneira mais completa
e intencional. É total e irrevogavelmente nosso e, finalmente, torna-se parte de
nós mesmos. É, portanto, uma figura muito apropriada de fé, pois é exatamente isso
que a fé produz de maneira espiritual. Por encarnação, o Filho do Pai estava entre
os homens, verdadeiramente descido do céu, e assim tudo o que foi revelado n’Ele
tornou-se disponível para os homens, mas apenas para ser realmente apropriado pela
fé. Por isso os homens devem comer desse pão e comendo-o eles vivem para sempre.
A última parte do versículo
51 traz um pensamento adicional. Esse “pão”
é a Sua carne, a ser dada não somente à nação judaica, mas “pela vida do mundo”. Aqui o Senhor indica que Sua encarnação era
em vista de Sua morte. Totalmente cegos, os judeus mergulharam em discussões entre
si, e isso fez surgir outra afirmação de extrema ênfase. À parte da morte do Filho
do Homem, apropriada por fé, ninguém tem nenhuma vida espiritual n’Ele. Tendo o
Filho vindo em carne como Filho do Homem e morrido, a vida depende da fé n’Ele.
Antes que Ele chegasse, havia muitos que criam em Deus, de acordo com o testemunho
que Ele havia dado, e eles viviam diante d’Ele. Mas agora que o Filho de Deus é
chegado, Ele é o testemunho e tudo depende d’Ele.
O tempo do verbo “comer”, nos versículos 51 e 53, é
digno de nota. Darby traduz: “se alguém tiver
comido...” e “a menos que tenha comido...” respectivamente. Significa um ato de apropriação,
realizado uma vez por todas. Este ato deve existir para que um homem viva diante
de Deus – não há vida sem a apropriação por fé da morte de Cristo. Isso, no entanto,
não se coloca contra comer de forma habitual, que é apresentado nas quatro ocorrências
da palavra nos versículos 54, 56, 57, 58. A vida que é recebida tem que ser nutrida
e sustentada; daí o que comeu ainda come; em outras palavras, aquele que recebeu
a vida pela apropriação original da fé agora vive com o mesmo princípio – “O justo viverá por fé”. Ele creu
e continua crendo.
Aquele que come habitualmente
tem a vida eterna e, no versículo 54, pela quarta vez a ressurreição é trazida diante
de nós. O que está implícito nesta menção quádrupla, sem dúvida, é que a vida eterna
alcançará a sua plena expressão e desfrute na ressurreição no último dia. Isso
é mencionado apenas duas vezes no Velho Testamento: “vida para sempre” (Sl 133:3), “vida
eterna” (Dn 12:2), e em ambos os casos o dia do Messias, que é “o último tempo” (1 Pe 1:5) é antecipado.
Daniel 12 fala de uma ressurreição nacional para Israel, como eles devem se levantar
do meio do pó das nações; mas em nosso capítulo temos indivíduos em vista, e a ressurreição
não é figurativa, mas vital e real. Quando Paulo menciona a vida eterna, ele geralmente
tem em vista sua futura plenitude na ressurreição; por exemplo, “por fim a vida eterna” (Rm 6:22). Em João,
é habitualmente apresentada como uma realidade presente, embora, como as palavras
do Senhor aqui mostram, sua plenitude na era vindoura não é excluída de nossos pensamentos.[2]
Aquele que come e bebe
não apenas tem a vida, mas “permanece”
ou “habita” (JND) em Cristo, e Cristo
nele. Além disso, como mostra o versículo 57, ele é colocado na mesma relação com
Cristo na qual Ele está com o Pai. Como o Enviado do Pai, encarregado de revelar
o Pai, toda a vida de Jesus foi vivida levando apenas em conta o Pai, como sendo
Ele a fonte de tudo. Assim também viverá, em relação a Cristo, aquele que se apropria
d’Ele habitualmente pela fé; e vivendo assim ele permanece em Cristo e Cristo nele.
Só se pode exclamar: Que maravilhoso caráter de vida é assim aberto ao crente simples,
e quão pouco temos entrado nisso em nossa experiência! Isto é, de fato, em contraste
com o maná, o verdadeiro pão que desceu do céu; e a vida em que somos introduzidos,
ao comê-la, permanece para sempre.
Os notáveis ensinamentos
de nosso Senhor tiveram sobre Seus discípulos um efeito muito grande de testar e
peneirar, e muitos ficaram ofendidos. Sua palavra era “dura” para eles; mas em que consistia sua dureza? Consistiu no
corte das raízes de seu orgulho religioso nacional. Ser informado de que: “não tendes vida em vós mesmos”, exceto
que houvesse este comer e beber, era intolerável para eles. Ora, eles tomaram como
certo que a vida era deles, como a nação possuída por Deus, e não haviam abandonado
essa ideia, embora pensassem que haviam encontrado o Messias prometido em Jesus.
Ora Ele sabia “em Si mesmo” que esses
discípulos estavam murmurando, já que Ele conhecia todas as coisas, e como consequência
Ele propôs a eles um teste ainda maior.
Aquilo de que Ele havia
falado envolveu Sua encarnação, pela qual a plenitude da Divindade havia sido trazida
até nós, e Sua morte, pela qual a vida se tornou disponível para nós: agora Ele
fala de Sua exaltação e glória. Se eles tropeçassem no pensamento do Filho de Deus
descendo, o que diriam ao Filho do Homem subindo? Em nosso capítulo, temos os primeiros
e últimos itens naquele “mistério da piedade”,
do qual 1 Timóteo 3:16 fala – “Deus foi manifestado
em carne... recebido em glória” (JND). Note que Ele sobe como Filho do HOMEM.
Foi uma maravilha que Deus deveria descer
à Terra: não era menos surpreendente que o Homem subisse ao céu. Jesus Nazareno
está no céu (veja Atos 22:8). E Ele está “onde
primeiro estava”. Este é um impressionante testemunho ao fato de que Sua Pessoa
é una e indivisível, por mais que possamos enfatizar a força e o significado de
Seus vários nomes e títulos, bem como distinguir entre o que Ele sempre foi e em
que Ele Se fez, como fizemos ao considerar os versículos iniciais deste evangelho.
O ensinamento deste capítulo é completado
pelo versículo 63, onde o Espírito Santo é trazido. Nada procede da carne que se
beneficia nesse assunto: é o Espírito que dá vida. O Pai é o Doador do verdadeiro
pão da vida: o Filho é esse pão e, como Filho do Homem, dá Sua carne pela vida do
mundo: o Espírito vivifica. Tudo é de Deus e nada procede do homem. Este
capítulo mostra o quão morto está o homem, pois as palavras do Senhor, que são espírito
e vida, foram apenas uma ocasião de tropeço para eles. O evangelista interrompe
seu relato nos versículos 64 e 65, para nos dizer que Jesus falou no pleno conhecimento
disto, e que não apenas Ele sabia em Si mesmo o que eles pensavam e diziam, mas
também quem cria e quem não cria desde o princípio, e quem deveria traí-Lo.
Foi neste ponto, aparentemente,
que muitos dos mencionados em João 2:23-25, revelaram-se em seu verdadeiro caráter.
A fé vital não era deles e eles desapareceram. Jesus então testou os doze, e Pedro,
seu porta-voz, proferiu uma bela confissão de fé genuína. Ele reconheceu o Enviado
de Deus, que tinha as palavras da vida eterna. Meros homens podem ter as palavras
de ciência ou as palavras de filosofia, e ocasionalmente palavras de sabedoria,
mas somente o Filho de Deus tem palavras de vida eterna. Portanto, não havia alternativa,
nenhum rival possível no horizonte da fé de Pedro. Cristo era único e inigualável.
Certamente, pela graça de Deus, Ele é também para nós. No entanto, Ele não era isso
mesmo para cada um dos doze, e o Senhor aproveitou a ocasião para mostrar que o
coração de Judas Iscariotes estava completamente aberto aos Seus olhos. Ele não
o colocou entre os doze sob qualquer equívoco de seu verdadeiro caráter. Naquela
época, a Galileia ainda era a cena do ministério do Senhor e, de maneira notável,
o coração de todos os homens estava se manifestando. Vimos discípulos falsos recuando,
um discípulo genuíno fazendo a confissão da fé e o discípulo traidor sendo desmascarado.
[1] N. do T.: Lâmina de metal
amarelo que imita o ouro, vistosa, mas sem qualquer valor.
[2]
N.
do T.: O Concise Bible Dictionary
diz: “Aquele que tem o Filho de Deus, portanto, tem vida agora (a possessão presente)
e sabe disso pelo Espírito Santo, o Espírito da vida. O apóstolo João fala da
vida como um estado subjetivo nos crentes, embora inseparável do conhecimento
de Deus plenamente revelado como o Pai no Filho, e de fato caracterizado por isso.
O Senhor disse a Seu Pai: “a vida eterna
é esta: que Te conheçam, a Ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo,
a Quem enviaste” (Jo 17:3). O apóstolo Paulo apresenta a vida eterna mais
como uma esperança diante do Cristão
(a possessão futura), que no entanto
tem um efeito moral presente. Tito 1:2, 3:7. Disso obtemos que a vida eterna
para o Cristão se dirige à sua plenitude para a glória de Deus, quando o corpo atual
como parte da velha criação será transformado, e haverá total conformidade a
Cristo, de acordo com o propósito de Deus. Nesse meio tempo, a mente de Deus é
que o Cristão, habitado pelo Espírito Santo, saiba (tenha o conhecimento
consciente) que ele tem a vida eterna (1 Jo 5:13).