quinta-feira, 21 de novembro de 2019

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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

JOÃO 21



JOÃO 21


Os versículos finais do capítulo anterior indicam que a evidência fornecida, mostrando que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, está completa agora. Isto é, portanto, tido como concedido no capítulo final, que registra os tratamentos com certos de seus discípulos totalmente não registrados nos outros evangelhos. Pode ser considerado de duas maneiras: primeiro, como tendo um significado figurativo ou típico; em segundo lugar, como mostrar Seus tratamentos graciosos com eles em vista de seu futuro.
O versículo 14 nos dá a chave para entender seu significado especial do ponto de vista figurativo. Podemos lembrar de que na abertura deste evangelho o evangelista chama nossa atenção para certos dias, e no início de João 2 houve uma manifestação da glória de Jesus no terceiro dia, figura da era milenar. Agora, aqui temos diante de nós o que é registrado como a terceira manifestação de Jesus ressuscitado dos mortos, e novamente descobrimos que tem um significado milenar.
A primeira manifestação, como vimos no último capítulo, foi no próprio dia da ressurreição, e todos os registros em conexão com ela falavam da porção da Igreja em associação com o Senhor ressurreto. A segunda, no mesmo capítulo, nos deu o despertar da fé no remanescente de Israel, quando finalmente eles olharão para aqu’Ele a Quem traspassaram. Isso foi demonstrado em Tomé. Agora chegamos à terceira, quando a manhã do milênio surgirá e o Senhor será revelado como o Senhor de todas as circunstâncias e o Provedor de todas as necessidades. Os três dias apontados em João 1 e João 2, tiveram, em cada caso, o mesmo significado.
O principal objetivo deste evangelho foi a revelação do Pai na Pessoa do Filho e a certificação para nós de que Jesus é de fato o Filho de Deus, para que não tenhamos dúvida quanto à revelação, mas que a luz dela brilhe com resplendor inextinguível em nossa alma. É muito notável, portanto, que ele inicie e termine com essas figurativas lembranças de distinções dispensacionais, embora o peso do evangelho seja aquele que permanece eternamente acima de todas as distinções dispensacionais. Diferenças de dispensação podem impor diferentes medidas quanto às apreensões dos santos, mas aquilo que deve ser apreendido é eternamente o mesmo.
João nos deu um relato da queda de Pedro, mas não disse palavra alguma sobre suas amargas lágrimas imediatamente depois, como resultado do olhar do Senhor, nem do encontro pessoal com o seu Senhor ressuscitado na última parte do dia da ressurreição. Abrimos este capítulo para encontrá-lo retornando para a sua pesca e levando seis dos outros discípulos com ele. Não foi para esse tipo de pesca que o Senhor o havia originalmente chamado, e parece que, embora sabendo que o Senhor o havia perdoado, ele estava assumindo que sua comissão para o serviço deveria cessar. O Pastor ressuscitado, no entanto, estava prestes a restaurar totalmente alma de Pedro e levar os pés de todos eles para os caminhos da justiça.
A expedição deles no lago foi um fracasso. O versículo 3 se resume em “noite” e “nada”. Quando a manhã chegou, tudo foi revertido porque Jesus estava lá – rede cheia, grandes peixes – e nenhuma rede rompida, nenhum barco afundando, como em Lucas 5. Tampouco havia Pedro caindo para confessar-se um homem pecador, embora sua triste queda tenha sido tão recente. Em vez disso, atirou-se ao mar para chegar a Jesus com toda a rapidez possível. Novamente vemos como ele é preeminente quando a ação do amor está em questão, assim como João mostra mais proeminentemente o discernimento do amor.
Chegados à praia, os discípulos se viram interrompidos em sua pesca, embora a captura de peixes fosse tão grande. O Senhor tinha fogo, peixe e pão prontos para eles; a provisão era toda Sua. Visto figurativamente, podemos enxergar os discípulos saindo e trazendo sob a direção do Senhor, uma grande colheita do mar das nações, o que marcará a abertura da era milenar. Foi certamente preparada, também, como uma lição para Pedro e o restante, mostrando-lhes que sua volta à ocupação comum era desnecessária, mesmo que especialmente abençoada por Ele. Sua comida já estava preparada por Sua mão. Os discípulos sabiam que era o seu Senhor ressuscitado, não pela visão de seus olhos, mas por Suas ações, que eram únicas.
Então começou o trato especial do Senhor com Simão Pedro. Sua queda ocorreu quando ele estava se aquecendo ao fogo do mundo na companhia dos servos do sumo sacerdote, que era totalmente hostil ao seu Senhor. Ele agora se encontra perto do fogo que tinha sido aceso por seu Senhor, não apenas aquecido, mas também alimentado por Ele, e na companhia de outros servos dedicados ao seu Senhor como ele mesmo. Três vezes Pedro tinha sido testado e cada vez, com ênfase crescente, ele havia negado seu Senhor. Três vezes, nesta ocasião, o Senhor sondou a consciência e o coração de Pedro, cada vez aumentando a severidade do teste.
Podemos apreciar mais plenamente os versículos 15-17 se observarmos que duas palavras diferentes são usadas para “amor”. A primeira (“ágape”) é aquela que, segundo nos dizem, não é usada para “amor” além do Novo Testamento e da versão Septuaginta[1]. O Espírito de Deus tomou essa palavra e a consagrou para expressar o amor de Deus. A segunda (“fileo”) é aquela baseada na palavra amor entre amigos, e significando o amor de sentimentos ou de afeto caloroso; ou, como foi dito, “indica menos percepção e mais emoção”. Vamos citar a tradução de Darby, onde a distinção é cuidadosamente observada.
O Senhor dirigiu-Se a Pedro não pelo novo nome que Ele lhe dera, mas pelo seu antigo nome na natureza, “Simão, filho de Jonas”, e perguntou-lhe: “Amas-me mais do que estes?” Isso é exatamente o que ele alegou de si mesmo ao dizer: “Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu”, como Marcos nos diz. Esta deve ter sido uma questão muito dolorosa, pois a julgar pelo seu proceder, parecia que ele era o que menos O amava. O que ele poderia dizer? Apenas isto, “Sim, Senhor, Tu sabes que eu estou apegado a Ti”. Ele usou a palavra inferior, mostrando que ele já havia decaído em sua própria estima.
Uma segunda vez, Jesus fez a pergunta, usando a mesma palavra de antes, mas não fazendo qualquer comparação entre Pedro e os outros discípulos. Era simplesmente: “Amas-Me?” Era como se Ele tivesse dito: “Você realmente Me ama mesmo?” Isso penetrou na ferida de uma forma ainda mais profunda. Pedro foi novamente incapaz de aceitar o desafio e permaneceu com sua própria palavra: “Tu sabes que eu estou apegado a Ti”.
A terceira pergunta era uma pressão ainda mais profunda, pois, dessa vez, Jesus usou a própria palavra de Pedro e, perguntou-lhe, “Estás tu apegado a Mim?” Assim, Ele desafiou o direito de Pedro de ir tão longe a ponto de afirmar que ele estava apegado a Ele. Isso o cortou até a medula e penetrou até a profundidade. Ele percebeu que não podia alegar que amava e que sua conduta desmentia até mesmo uma ligação de amizade. Ele, portanto, lançou-se inteiramente ao seu Onisciente Senhor, dizendo: “Senhor, Tu sabes todas as coisas; Tu sabes que eu estou apegado a Ti”. Isso virtualmente reconhecia que seu apego era de proporções tão tênues e microscópicas que somente a onisciência Divina poderia percebê-lo. Mas ainda estava lá! Pedro sabia disso e sabia que seu Senhor conhecia isso.
Em tudo isso, em muita graça, ainda que com acurada precisão, Pedro estava sendo conduzido ao julgamento próprio – o julgamento do estado que o levou ao pecado e ao desastre. Uma coisa é confessar o pecado cometido e outra confessar o estado errado que o levou a isso. Este é o ponto que é tão instrutivo e salutar para nós. A autoestima com o seu mau gêmeo, a confiança própria, era a base do mau comportamento e a completa restauração diante do Senhor não seria aperfeiçoada até que Pedro chegasse a esse ponto. Além disso, seu pecado havia sido cometido com considerável publicidade, e os outros discípulos devem ter tido sua confiança nele tristemente abalada. Quão gracioso, então, da parte do Senhor tratar com Pedro em sua restauração na presença de vários discípulos.
E isso não foi tudo. Cada afirmação de Pedro de que ele realmente estava apegado ao Senhor, apesar de sua covarde negação, foi seguida por uma resposta que indicava que um serviço muito importante deveria ser confiado a ele. O Senhor usou três expressões diferentes, que não estão totalmente claras em nossas versões em português: “Alimenta os Meus cordeiros”, “Apascenta as Minhas ovelhas”, “Alimenta as Minhas ovelhas” (todas conforme JND). O pastoreio de ovelhas envolveria o cuidado para que elas fossem alimentadas, mas iria além disso e cobriria muitas atividades na forma de supervisão, liderança e proteção.
É muito evidente que Pedro foi encarregado de um ministério pastoral, e a maneira pela qual ele incita os outros a um semelhante cuidado pastoral, nos versículos iniciais de 1 Pedro 5, é muito impressionante. Em sua epístola ele adverte contra os próprios abusos de tal ministério que entraram como uma inundação na história da Igreja. Esses abusos alcançam seu maior desenvolvimento no imponente corpo religioso que reivindica seu pontífice romano como o sucessor de Pedro; e eles são apenas a consequência da natureza humana caída, pois coisas exatamente semelhantes aconteceram em Israel, e são condenadas pelo Senhor por meio da profecia em Ezequiel 34. Hoje o “Óbolo de São Pedro”[2] significa dinheiro extraído do rebanho para o apoio do suposto sucessor de Pedro, em vez de algo ministrado para o rebanho. Uma severa perversão e grotesca imitação, de fato!
Os pastores que serviram depois da partida de Pedro logo se esqueceram de que os cordeiros e ovelhas pertenciam ao Senhor. A palavra para Pedro não era “Alimente suas ovelhas”, mas “Minhas ovelhas”, e isso faz toda a diferença. É notável ainda que o Senhor falou uma vez de pastoreio e duas vezes de alimentação. É aí que a ênfase está. Pastoreio significa uma certa quantidade de autoridade no manuseio e direcionamento, e não são poucos os que amam empunhar autoridade, mesmo na Igreja de Deus. Ser despenseiro de alimento espiritual é outro assunto e muito mais profundo. Aquele que pode dar alimento espiritual não terá muita dificuldade em exercer alguma medida de controle espiritual.
Outra coisa que podemos notar. Quando Pedro foi assim comissionado, ele era um homem subjugado e humilde. A um tal homem assim, quando totalmente restaurado, o Senhor confiou Seus cordeiros e ovelhas. Podemos nos lembrar da prescrição apostólica: “se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai [restaurai – TB] o tal com espírito de mansidão; olhando por [considerando a – JND] ti mesmo, para que não sejas também tentado” (Gl 6:1). Supõe-se que um homem espiritual será manso e terá um senso completo de sua própria suscetibilidade de cair. Aqui Pedro havia caído e, humilhado agora e restaurado, ele alcançou aquele espírito terno e manso que marca o homem espiritual. Para os homens desse tipo o Senhor confia Seus cordeiros e ovelhas.
Tendo o Senhor comissionado outra vez a Pedro e indicado o caráter especial do serviço que ele devia prestar, agora lhe mostrou que aquilo de que ele havia se gabado de que faria na energia da juventude, ele realmente faria quando sua energia natural tivesse diminuído. “Por Ti darei a minha vida”, foram as palavras de Pedro, mas ele falhou miseravelmente. Seu desejo estava correto, embora sua confiança própria estivesse errada e tivesse que ser repreendida. Portanto, seu desejo deve ser cumprido, mas num poder que é além do seu. As palavras do Senhor no versículo 18 não indicaram apenas que ele deveria glorificar a Deus pela morte de um mártir, mas também o caráter daquela morte. A alusão foi à crucificação. Ele deveria seguir o Senhor ao cuidar de Suas ovelhas e, até certo ponto, à maneira de Sua morte. Que sublime graça foi esta para o discípulo que falhou! E que instrução para nós! O caso de João Marcos também nos fornece um exemplo de como aquilo que é iniciado na carne ainda pode ser aperfeiçoado pelo Espírito: Exatamente o oposto de Gálatas 3:3.
No momento, Pedro desviou os olhos de seu Mestre e fixou-o em um discípulo, ninguém menos que o escritor deste evangelho. João era evidentemente um homem mais jovem, mas já estava intimamente ligado a Pedro em várias ocasiões. Provavelmente era interesse genuíno e não meramente curiosidade que o fez indagar sobre o futuro dele. A resposta parece ter uma dupla relevância.
Primeiro, enfatizou a questão de que para cada discípulo – seja Pedro ou nós mesmos – nosso grande assunto não é com nossos irmãos, mas com nosso Senhor. O que o Senhor ordenou para João não dizia respeito a Pedro, mas que seguisse o Senhor por si mesmo. Não há muitos hoje que apontam para um irmão e dizem: “O que esse homem fará?”, mas há muitos que dizem: “Veja o que esse homem fez!” Estar preocupado sobre os feitos de outra pessoa, especialmente se eles não forem muito corretos, é uma coisa banal e fácil, enquanto estar preocupado consigo mesmo é um trabalho custoso. Para cada um de nós, como a Pedro, o que Senhor diz é: “Segue-Me”.
Em segundo lugar, havia alguma coisa enigmática ou oculta nesta declaração sobre João, assim como havia no versículo 18 sobre Pedro. Isso não indicava que ele não deveria morrer e assim permanecer até o segundo advento, mas sim que seu ministério deveria ter um caráter especial. A palavra aqui, traduzida como “fique”, é aquela que ocorre nos escritos de João tantas vezes quanto em todo o restante do Novo Testamento. É traduzida de várias maneiras como “permaneça”, “continue”, “habite”. Ora o ministério de João, como exemplificado em seu evangelho e nas suas epístolas, tratou especialmente com as coisas permanentes da revelação de Deus, que nada pode tocar ou manchar. Em Apocalipse, descobrimos que ele foi o último dos apóstolos a ver o Senhor em Sua gloriosa majestade e a receber d’Ele, por meio do Seu anjo, a mais completa revelação das coisas que estão por vir, o que nos leva ao segundo advento, e até mesmo ao estado eterno.
O versículo 23 é uma advertência para nós sobre o perigo de extrair deduções da Palavra de Deus, e então elevar essas deduções a afirmações categóricas. Se houvesse um dito entre os irmãos de que João não morreria, em vista do que o Senhor dissera, talvez não fosse digno de nota. Mas eles disseram que ele não morreria, ao invés de que ele permaneceria. Palavras inspiradas permanecem em uma classe por si mesmas, e devemos ter cuidado ao tirar delas conclusões infundadas.
O último versículo do nosso evangelho é muito característico. Ele nos lembra de que o que está registrado dos feitos do Senhor na Terra é apenas uma pequena fração do todo, e isso é verdade se juntarmos todos os quatro evangelhos. Também é verdade quanto às Suas palavras e às Suas obras. Este é um fato que ajuda a explicar as coisas que às vezes são citadas como aparentes discrepâncias. Por exemplo, o Senhor deve ter feito e dito coisas semelhantes dezenas de vezes durante os anos de Seu serviço incessante em várias partes da Judeia e da Galileia. E por último, não há exagero de figura no que é dito sobre o mundo e os livros. João traçou para nós as incomparáveis palavras e obras do Verbo que Se tornou carne – pelo menos, uma seleção delas, que embora pequena, é suficiente para nos convencer de que n’Ele temos o Cristo, o Filho de Deus. Embora Ele tenha assumido uma forma finita, o Verbo que a assumiu é infinito. Ele colocou, portanto, o selo do infinito em tudo o que Ele fez e disse, e o mundo e os livros não podem conter isso.
Nunca chegaremos ao fim de todas as coisas que Jesus fez. Nesta mais apropriada nota, nosso evangelho termina.





[1] N. do T.: A Septuaginta é a mais antiga tradução em grego do texto hebreu do Antigo Testamento, feita para uso da comunidade de judeus do Egito no final do século III a.C.
[2] N. do T.: Chama-se “Óbolo de São Pedro” a ajuda que os fiéis oferecem ao papa como sinal de adesão à disposição do sucessor de Pedro (conforme a crença católica) relativamente às múltiplas carências da Igreja universal e às obras de caridade em favor dos mais necessitados

domingo, 15 de setembro de 2019

JOÃO 20


JOÃO 20


Em nosso evangelho Maria Madalena aparece apenas em conexão com as cenas finais. Ela estava entre as últimas em pé junto à cruz e entre as primeiras no sepulcro no dia da ressurreição. Não é fácil juntar os registros dos quatro evangelistas para ver a sequência histórica dos acontecimentos, mas parece que, tendo vindo com outras mulheres bem cedo, ela saiu sozinha para informar Pedro e João que o sepulcro estava aberto e vazio e depois voltou para a vizinhança do sepulcro.
As outras mulheres não são mencionadas aqui. Nossos pensamentos estão concentrados em Maria Madalena, para nos levar à instrução espiritual transmitida por meio de suas ações e seus lábios.
Que o Senhor era o Objeto supremo e cativante diante dela é bastante evidente em suas palavras aos apóstolos, como registrado no versículo 2. Sua escolha dos dois para quem ela foi é notável, pois Pedro foi quem pecou tão gravemente antes. Ainda assim, ele amava o Senhor, como o próximo capítulo registra, e João era o discípulo a quem Jesus amava. Pelo lado deles, o amor pode ter sido um tanto eclipsado no momento, mas estava lá, e Maria, em quem o amor estava ardendo brilhantemente, sabia disso.
Além disso, o amor foi demonstrado, pela maneira como eles responderam ao anúncio que Maria trouxe. Isso colocou os pés e o coração deles em movimento. Eles correram com ansiosa pressa e João ultrapassou Pedro. A explicação natural, sem dúvida, era que ele era o mais jovem; mas havia também uma explicação espiritual. João ficou mais profundamente impressionado pelo amor do Senhor por ele, como mostrou pelo modo como falava de si mesmo, enquanto Pedro estava sob a nuvem de ter confiado em seu próprio amor pelo Senhor, que, quando testado, falhou em uma forma escandalosa e pública. Aquele que é mais atraído pelo amor de Cristo corre mais depressa. Foi um caso de “Atrai-me Tu; correremos após Ti” (Ct 1:4 – TB).
Ainda Pedro, apesar de seu fracasso vergonhoso, correu e, chegando ao sepulcro, foi o mais ousado dentre os dois e foi direto para o interior. Isso levou João a se unir a ele e, portanto, houve duas testemunhas do fato de que os lençóis de linho, nos quais o corpo sagrado tinha sido envolvido, não estavam em desordem, mas de uma tal forma que sugeriam que, longe de o corpo ter sido removido por outros, Jesus havia ressuscitado da morte em uma tal condição que os lençóis do sepultamento estavam totalmente inalterados. O versículo 19 do nosso capítulo mostra que, em Seu corpo ressurreto, portas fechadas não era impedimento para nosso Senhor, assim, sem dúvida, os lençóis da mesma forma foram deixados exatamente como estavam.
No versículo 8, João fala por si mesmo – ele creu, embora estivesse aceitando apenas a evidência de seus olhos. Pedro não é mencionado, pois a fé, embora pudesse estar lá, não está ativa quando a alma está sob a tenebrosa nuvem de fracasso e pecado, e ainda não está restaurada. Mas embora João cresse que sua fé era de um tipo pouco inteligente, pois ele, tanto quanto o resto, ainda não estava iluminado para um entendimento da Escritura. Se ele tivesse sido iluminado saberia que o Cristo deveria ressuscitar dos mortos (veja Atos 17:3), o que teria explicado tudo. Então, embora houvesse fé, havia também ignorância, e isso explica o que lemos no versículo 10. O exemplo dado por Pedro e João no início da manhã do dia da ressurreição foi seguido à tarde por Cleofas e sua companhia, conforme registrado em Lucas 24.
A conduta de Maria Madalena se destaca num brilhante contraste com todo o resto. Os dois discípulos partiram para sua casa convencidos de que o corpo de Jesus não estava ali. Maria estava igualmente convencida, mas deixou sua casa e foi permanecer no sepulcro, chorando no sentimento de sua desolação total. Eles conheciam o Senhor como Alguém que os havia chamado de barcos e redes. Ela O conhecia como Alguém que a libertou das garras de sete demônios. Foi uma libertação poderosa e ela O amava muito. Para ela, dois anjos apareceram e não há registro de que ela tenha tido medo da presença deles.
Isso é notável, já que nos outros evangelhos o medo é mencionado em conexão com cada aparição. O caso dela evidentemente ilustra como uma poderosa afeição pode expulsar do coração todas as outras emoções. Sua resposta à pergunta dos anjos mostrou como Jesus, a Quem ela chamava de “o Meu Senhor”, monopolizava todo o espectro de seus pensamentos. Ela reagiu como se encontrar anjos fosse uma ocorrência diária. Ao procurar seu Senhor, ela perdeu o rastro e parece ter dado como certo que os anjos estavam tão preocupados com o assunto quanto ela própria. Mas, evidentemente, até agora, nenhum pensamento de Sua ressurreição havia cruzado sua mente. Ela só pensava em outros removendo o corpo d’Ele. Ela estava procurando um Cristo morto.
Naquele momento, o Senhor ressuscitado interveio e ela se afastou dos anjos para encontrá-Lo ali, embora ela não O reconhecesse. O mesmo aspecto caracterizou Seu encontro com os dois discípulos indo para Emaús naquela tarde, e o resto dos discípulos no cenáculo naquela noite. Era o mesmo Jesus, mas com uma diferença, devido ao fato de estar revestido de um corpo ressuscitado – ressuscitado, embora ainda não glorificado – portanto, não O identificaram imediatamente. Ela O confundiu com o jardineiro. Ele, o Grande Pastor ressuscitado dos mortos, sabia bem que ali estava uma das Suas ovelhas inteiramente dedicada a Ele, buscando somente a Ele mesmo e chorando porque não sabia onde encontrá-Lo.
Na simples pronunciação do nome dela, Ele Se revelou a ela que imediatamente respondeu a Ele como seu Mestre. Tudo o que está registrado, no entanto, nos versículos 11-15, mostra que ela estava procurando o Seu corpo como morto e, portanto, seu primeiro pensamento ao achá-Lo vivo foi sem dúvida o de uma retomada das associações na velha base, que prevaleceram nos “os dias da Sua carne”. É isso que explica a palavra inicial do Senhor para ela: “Não me toques” (TB). Em vista do novo relacionamento que Ele estava prestes a anunciar a ela, e por meio dela aos outros discípulos, Ele mostrou a ela dessa maneira decisiva que as relações não poderiam ser retomadas como eram antes. Sua morte e ressurreição mudaram tudo. Ele não era menos Homem do que era antes de morrer, ainda que tenha dado a Sua vida, Ele a tinha tomado novamente em um novo estado e condição adequados aos céus em que Ele estava prestes a subir. Portanto, agora as relações com Ele devem estar em uma nova base.
O Senhor acrescentou as palavras “porque ainda não subi para Meu Pai” como razão da Sua proibição. Assim, Ele evidentemente indicou que, quando subisse a Seu Pai, Maria deveria estar em “contato” com Ele. Sua ascensão ao Pai envolveu o derramamento do Espírito Santo sobre os discípulos, como foi feito abundantemente claro neste evangelho – ver João 7:39, 14:16, 15:26, 16:13. Quando, no Pentecostes, Maria, junto com os outros, ficou cheia do Espírito Santo, ela se viu em seu espírito trazida a um toque muito mais íntimo com o seu Senhor ressuscitado do que ela jamais experimentara nos dias de Sua vida.
Sem dúvida, os apóstolos foram privilegiados muito além de nós mesmos na maneira como “ouviram”, “viram”, “contemplaram”, “tocaram a Palavra da vida” (1 Jo 1:1). No entanto, enquanto caminhavam com Ele na Palestina, o verdadeiro significado do que observavam era obscuro para eles. Como João 14:17, 20 nos mostrou, foi somente quando eles tiveram a habitação do Espírito que souberam que estavam n’Ele e Ele neles – tinham Sua vida e um novo relacionamento foi estabelecido. Ora também temos o Espírito de Deus, portanto, embora a manifestação objetiva nos tenha alcançado não diretamente, como aconteceu com os apóstolos, mas apenas por meio de seus escritos inspirados, a realização subjetiva pode ser nossa na medida completa. Fazemos bem em refletir sobre esse assunto muito profundamente.
Outra coisa está neste excelente versículo. Jesus chama os discípulos: “Meus irmãos”. Eles haviam sido anteriormente designados “os Seus” (Jo 13:1), e Ele os chamara de “Meus amigos” (Jo 15:14), mas nenhum deles indica o relacionamento da mesma maneira que “Meus irmãos”. Devemos aprender disso que Ele estabeleceu o relacionamento como o Ressuscitado, que passou pela morte e triunfou sobre ela. Esse relacionamento não existe em virtude de Sua encarnação, mas no poder de Sua ressurreição. Ele realmente participou em “carne e sangue”, e tomou “a semente de Abraão”, com vistas ao sofrimento da morte. Tendo provado a morte por todos os homens e sido feito perfeito por meio dos sofrimentos, Ele Se tornou o Príncipe da nossa salvação e, assim como o Santificador, Ele reconhece aqueles a quem Ele santifica como Seus irmãos. Isto é trazido diante de nós em Hebreus 2:9-16. Pela encarnação, Ele veio para o nosso lado para que, em Sua perfeita e imaculada Humanidade, Ele pudesse tomar nossa causa. Tendo a tomado, e por Sua morte e ressurreição, produzido libertação para nós, Ele nos elevou para o Seu lado em identificação com Ele em vida ressuscitada. Assim, o relacionamento não está na encarnação, mas na ressurreição. Isso também é um ponto profundamente importante a ser lembrado.
A mensagem que Maria devia transmitir aos outros discípulos anunciava a nova relação deles com Deus e não apenas em relação a Si mesmo. Seu Pai é nosso Pai, Seu Deus é nosso Deus. Ele nos coloca em Seu próprio relacionamento com Deus, mas é claro, de forma subordinada. Nosso relacionamento com Deus brota do relacionamento d’Ele com o Pai e de nossas relações com o Filho. Ele não disse “nosso” Pai e Deus, como se Ele e nós estivéssemos no mesmo nível. Isso devemos observar cuidadosamente, pois Sua completa preeminência deve ser sempre reconhecida com gratidão. Embora Ele fale de nós como “Meus irmãos”, nunca O encontramos sendo mencionado nas Escrituras como “nosso Irmão”, nem mesmo como “nosso Irmão mais velho”. Tais termos tenderiam a nos fazer pensar d’Ele como se Ele descesse ao nosso lado, em vez de Ele nos elevar para o Seu lado. Isso também obscureceria Sua posição preeminente.
Em Sua maravilhosa vida terrena, o Senhor Jesus havia revelado o Pai, pois o Pai habitou n’Ele, para que Ele pudesse dizer: “quem Me vê a Mim, vê o Pai”. Vimos isto quando consideramos o capítulo 14. Ele também ensinou os discípulos a olhar para Deus como seu “Pai celestial”, em conexão com todas as suas necessidades e circunstâncias neste mundo, como os outros evangelhos mostram, mas uma revelação mais completa vem à luz aqui. Não perdemos a bênção e o benefício da revelação anterior, assim como não perdemos com a revelação d’Ele como o Todo-Poderoso ou como Jeová; mas precisamos entender e nos regozijar no conhecimento de Deus como “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 1:3; 1 Pe 1:3). As palavras do nosso Senhor para Maria foram a primeira indicação deste relacionamento mais completo e mais elevado, e uma vez que isso veio à luz, as epístolas do Novo Testamento apresentam Deus para nós dessa maneira. Ele é de fato um “Pai celestial” para nós em todos os aspectos desta vida, mas não vamos tratar isso como se fosse tudo. Nosso relacionamento adequado com Deus, como Cristãos, é nessa base superior.
Maria Madalena – a mulher com um sensível coração amoroso – foi a primeira a ouvir essas coisas maravilhosas, e se tornou a mensageira delas para todos nós. Ela podia testemunhar que tinha visto o Senhor e que Ele tinha feito essas comunicações para ela e, por meio dela, aos outros.
No final do dia, o Senhor apareceu a Simão Pedro e a Cleofas e sua companhia que viajavam para Emaús, embora João não mencione essas manifestações. É claro, no entanto, dos outros evangelhos que, como o dia da ressurreição avançava, os discípulos tiveram duas testemunhas de Sua ressurreição – Maria e Pedro – e que o testemunho deles os reuniu em Jerusalém à medida que a tarde se aproximava. Quando reunidos, Cleofas e sua companhia vieram entre eles, fornecendo-lhes uma terceira e quarta testemunhas. Então, quando as portas foram fechadas, o próprio Jesus Se colocou no meio deles, identificando-Se com as mãos e o lado traspassados e enchendo o coração deles de alegria.
As portas estavam fechadas por medo dos judeus. Sua presença como ressuscitado causou alegria ao se interpor ao medo deles. Mesmo assim, ainda faltava um elemento, que só poderia ser fornecido quando fossem cheios do Espírito de Deus. No dia de Pentecostes, o medo foi engolido por completo e eles se encheram de ousadia e poder.
O Senhor Jesus Cristo, necessariamente, ocupa sempre o lugar central. Ele o fez na morte, conforme registrado no versículo 18 do capítulo anterior. Aqui Ele o faz em ressurreição, e assim houve um cumprimento da Sua palavra registrada em Mateus 18:20. Na noite do dia da ressurreição, os discípulos foram reunidos em Seu Nome, embora apenas crendo nas testemunhas de Sua ressurreição. Ele entrou no meio deles em forma visível. A principal diferença para nós hoje é que Ele toma o Seu lugar de forma invisível, onde os discípulos estão reunidos em Seu Nome. Quando a Sua presença é percebida, o efeito é como aqui – paz e alegria. A palavra da paz veio de Seus lábios. A alegria seguiu-se quando seus olhos confirmaram a evidência fornecida por seus ouvidos.
Lucas nos diz, em Atos 1, que Ele Se mostrou vivo “com muitas e infalíveis provas”, e preeminente entre elas estava a exibição para Seus discípulos de Suas mãos e lado perfurados. Essas marcas sagradas O identificaram além de qualquer dúvida. Morte e ressurreição tinham sido cumpridas, e elas eram como pilares gêmeos nos quais a paz que Ele anunciava estava firmemente estabelecida. Duas vezes o Senhor os saudou com paz em Seus lábios, pois Ele sabia muito bem que, até que isso fosse cumprido no coração deles, teriam pouca habilidade para receber as coisas adicionais que Ele tinha para lhes transmitir. É exatamente assim conosco hoje. Até que desfrutemos da paz estabelecida com Deus, não poderemos fazer progresso espiritual.
Tendo anunciado a paz pela segunda vez, o Senhor ressuscitado comissionou Seus discípulos em palavras que, embora muito breves, estão cheias de profundo significado. Cada evangelho registra uma única comissão, embora com diferenças características. Mateus registra isso em termos que especificamente atingem um leitor judeu. Eles não deveriam mais fazer discípulos da muito limitada esfera indicada anteriormente naquele evangelho (Mt. 10: 5-11), mas de todas as nações, e deveriam batizar no Nome que veio à luz em Cristo, e não com o batismo de João ou algo parecido com isso. A comissão lá é assim redigida para ter uma aplicação para aqueles que venham a fazer discípulos depois que a Igreja se for. Em Marcos também é enfatizado o aspecto universal da pregação e serviço apostólico. Este é o caso também em Lucas, onde a plenitude da graça parece ser o ponto; graça que poderia começar em Jerusalém, o pior lugar, e se estender a todas as nações. Os três evangelhos sinóticos têm isso em comum; a comissão em cada um deles diz respeito à pregação e ao serviço dos apóstolos.
Mas em João, como convém a esse evangelho, uma nota mais profunda é atingida. O Senhor Jesus fora enviado do Pai, para que n’Ele o Pai pudesse ser feito conhecido. Como o décimo quarto capítulo tornou tão claro, Ele estava no Pai quanto ao Seu ser, Sua vida, Sua natureza e, consequentemente, o Pai estava n’Ele, e assim foi totalmente feito conhecido. Agora, tendo morrido e ressuscitado, Ele estava indo para o Pai, mas estava deixando no mundo discípulos, a quem agora Ele enviava para que fossem para Ele, segundo o padrão da maneira como Ele fora enviado para ser para o Pai. Se, portanto, quisermos entender a missão deles, devemos primeiro entender a missão do próprio Senhor como enviado do Pai.
É notável quantas vezes neste evangelho o Senhor é referido como aqu’Ele que havia sido enviado do Pai ao mundo. Em palavras ligeiramente diferentes, isso é mencionado mais de quarenta vezes, e podemos ver quão relevante é pelo fato de que Ele nos é apresentado como Alguém que era Deus e estava com Deus. Ele não era, portanto, Um natural do mundo, como se Ele tivesse saído daqui. Ele veio de cima e tudo o que Ele era trouxe Consigo. Suas palavras e Suas obras eram todas do Pai. Agora uma coisa nova é levada a efeito, e em sua instituição o Senhor estava cumprindo Sua própria declaração em Sua oração ao Pai – veja João 17:18. Ele estava partindo e agora eles deveriam ser enviados como vindos d’Ele.
O que estava por trás desse envio era o fato de que eles também não eram do mundo como Ele não fora. Isso também é afirmado em João 17:16. Houve essa diferença, contudo; uma vez que eles eram naturais do mundo, então, no caso deles, havia um elo que precisava ser quebrado e havia novos elos que precisavam ser formados. Isso imediatamente nos leva ao que está estabelecido no versículo 22 do nosso capítulo.
As palavras de comissão foram seguidas por palavras de concessão, juntamente com uma ação peculiar. Ele soprou sobre – ou, mais corretamente, para – eles, e disse: “Recebei Espírito Santo” (JND), pois o artigo definido “o” está ausente no original. Devemos observar a conexão entre isso e o que é registrado quanto à criação de Adão em Gênesis 2:7. Quanto ao seu corpo, Adão foi formado do pó da terra, mas a parte espiritual dele veio a existir pelo Senhor Deus, soprando em suas narinas o fôlego de vida, e assim ele foi feito uma alma vivente. Ora, nosso Senhor, que é o último Adão, é um espírito vivificante ou doador de vida, como lemos em 1 Coríntios 15:45, e aqui vemos Ele soprando para Seus discípulos Sua própria vida ressuscitada.
Mas sendo assim, por que Ele disse: “Recebei Espírito Santo”? Porque a Sua própria vida como o Homem ressuscitado é na energia do Espírito Santo. Ele foi “morto na carne, mas vivificado no Espírito” (1 Pe 3:18 – TB). No dia de Pentecostes, como registrado em Atos 2, os discípulos realmente receberam o Espírito Santo, como uma Pessoa divina habitando o próprio corpo deles, mas aqui temos algo preliminar a isso. No mesmo dia em que Jesus entrou em Sua vida ressuscitada, conforme vivificado pelo Espírito de Deus, Ele a comunicou aos seus.
Devemos conectar este grande ato com o que precede e com o que se segue. Como eles poderiam ser enviados ao mundo para serem para Ele como Ele havia sido enviado pelo Pai, a menos que possuíssem Sua vida ressuscitada? A vida natural que eles tiveram de Adão não lhes deu nenhuma competência para tal missão. Eles não tinham poder até que o Espírito Santo foi derramado abundantemente no Pentecostes, mas eles agora tinham a vida e a natureza que tornavam a missão possível. Não lemos sobre esta ação nos outros evangelhos, mas lemos em Lucas 24:45, “Então abriu-lhes o entendimento para entenderem as Escrituras” (JND). Essa abertura do entendimento deles foi, julgamos, o resultado do sopro de Sua vida ressuscitada.
Em nosso evangelho, no entanto, há duas coisas conectadas a isso: primeiro, deu-lhes a capacidade de serem testemunhas no mundo como enviados por Ele; e em segundo lugar, foi-lhes confiado o poder administrativo de perdoar ou reter pecados, não eternamente, é claro, mas de forma governamental. No evangelho de Mateus, vemos que o Senhor, antes de Sua morte e ressurreição, indicou que tais poderes deveriam ser conferidos a Pedro (Mt 16.19) e aos apóstolos como um todo (Mt 18.18), em cada ocasião esperando ansiosamente pelo futuro. Aqui o poder é realmente conferido. Primeiramente, sem dúvida, o poder era apostólico, e vemos Pedro empunhando esse poder em Atos 5:1-11, e o Espírito Santo ratificando a ação de Pedro de forma incontestável. Mas em 1 Coríntios 5:3-5, 12-13, temos Paulo empunhando esse poder e convocando a Igreja para agir com ele em reter o pecado do malfeitor. Em 2 Coríntios 2:4-8, encontramos Paulo convocando a Igreja para reverter a ação em vista do arrependimento do malfeitor. Eles deviam perdoar; e o versículo 10 desse capítulo é muito instrutivo em relação a isso.
Em outros evangelhos, o nome de Tomé aparece apenas na lista dos doze apóstolos: tudo o que sabemos dele está contido em nosso evangelho. Isso é significativo. Ele é mencionado em João 11 e João 14 e suas palavras nessas ocasiões nos preparam para a luz na qual seu caráter aparece aqui. Ele era evidentemente um homem de mente simples, prática e sem imaginação, muito inclinado a ser materialista e, portanto, difícil de convencer de qualquer coisa que estivesse fora do plano da experiência humana comum. Estamos agora muito próximos do versículo que declara o objetivo para o qual este evangelho é projetado para nos conduzir, e estamos considerando o último e maior dos sinais que João trouxe diante de nós. Por isso o caso de Tomé é de particular valor neste evangelho.
Ele não estava presente na noite do dia da ressurreição e, portanto, quando ouviu o testemunho dos outros discípulos, que eles condensaram em três palavras da mais profunda importância: “vimos o Senhor”, ele não estava preparado para aceitar isso. Em um espírito de duvidosa teimosia, ele declarou que, a não ser que tivesse evidências visíveis e tangíveis do tipo mais indubitável, evidências que mais claramente identificassem aqu’Ele que apareceu com aqu’Ele que morreu na cruz, ele não iria acreditar. Desafiando assim o testemunho do discípulo, ele estava realmente lançando um desafio ao seu Senhor ressuscitado, o qual, se aceito, colocaria Sua ressurreição além de toda questão, no que dizia respeito a Tomé.
O Senhor em graça condescendente aceitou o desafio uma semana depois. Mais uma vez Ele apareceu no meio deles embora as portas estivessem fechadas. Novamente Ele os saudou com as palavras “Paz seja convosco”. Então Ele ordenou a Tomé que fizesse exatamente o que ele havia dito, que ele pudesse ter não apenas o visível, mas também a evidência tangível que ele desejava. E não apenas isso, pois Ele deu um sinal espiritual também. Suas palavras a Tomé revelaram que o desafio lançado quando Ele não estava visivelmente presente era perfeitamente conhecido pelo Senhor ressuscitado. No final do capítulo 1, tivemos um incidente semelhante. Jesus mostrou a Natanael que Ele o havia visto quando ele se considerava despercebido sob a figueira, e Natanael foi convencido e O confessou como o Filho de Deus e o Rei de Israel.
Isso foi nos dias de Sua carne, mas Ele Se revelou como aqu’Ele que tudo vê. Aqui os dias da Sua carne terminaram e Ele ressuscitou, mas Ele é revelado como aqu’Ele que tudo ouve. O efeito sobre Tomé com relação a tudo isso foi desnorteante. O obstinado duvidoso, quando está convencido, está realmente convencido! Poucos minutos atrás, ele estava se arrastando de longe, muito atrás dos outros discípulos, agora em sua confissão arrebatadora ele vai a um limite definitivamente além deles. Natanael foi explícito em sua confissão no início: Tomé no final é ainda mais explícito. Apenas cinco palavras! Mas que palavras eram elas – “Senhor meu e Deus meu”!
Aqueles que negam a Deidade de nosso Senhor têm procurado invalidar a força desta frase tratando como sendo uma mera exclamação, dirigida a ninguém em particular, mas o registro distintamente declara que as palavras foram ditas ao Senhor, sendo a forma delas no original muito enfática, já que ele usou o artigo definido duas vezes. Jesus ressuscitado era o Senhor e o Deus para ele. E o que é mais significativo ainda, o Senhor respondeu: “Tomé, creste.... Além de toda a dúvida, Ele tratou a exclamação cheia de gozo de Tomé como apoderando-se do FATO. Em outras palavras, Ele aceitou a confissão como sendo verdadeira. Não há pecado maior do que um mero homem aceitar honras divinas ou adulação, como testemunha o golpe drástico em Herodes, registrado em Atos 12. Quando João caiu diante de um anjo e a respeito de adorá-lo, a resposta instantânea foi: “Não faças tal” (Ap 22:9). Em vez de repreender Tomé, Jesus aprovou sua confissão e chamou-a de fé.
A plena Deidade de Jesus sendo assim reconhecida, chegamos ao fim para o qual o evangelho é projetado para nos conduzir. Muito apropriadamente, portanto, os versículos 30 e 31 fecham este capítulo. Somos lembrados de que todos os sinais miraculosos registrados são apenas uma pequena fração do todo. Entretanto, aqueles que estão registrados são bastante suficientes, e neste evangelho eles são especialmente selecionados para oferecer um amplo terreno para a fé em Jesus como o Cristo, o Filho de Deus, pois é a fé nisto que traz vida por meio do Seu Nome.
Note que a última e conclusiva prova de que Jesus é o Filho de Deus é que Ele aceitou a atribuição da Deidade a Si mesmo. Podemos dizer que, se Ele é Deus, Ele é o Filho de Deus; e, inversamente, que se Ele é o Filho de Deus, Ele é Deus. Note também que Sua Filiação é o grande ponto no evangelho que O delineia desde as profundidades insondáveis da eternidade passada, e não dá detalhes do nascimento virginal. Se realmente aceitarmos este evangelho em fé, não teremos dúvidas de que Sua Filiação é eterna e não algo assumido no tempo.
Antes de deixarmos este capítulo, temos apenas de assinalar o significado das palavras do Senhor no versículo 29. Há algo melhor do que aceitar provas oculares e tangíveis, e isso é crer na Palavra sem qualquer demonstração como essa de Tomé. Ele sem dúvida ilustra a maneira pela qual um remanescente piedoso de Israel vai descobrir a verdade em um dia vindouro. A palavra do profeta deve ser cumprida: “Olharão para Mim, a Quem traspassaram” (Zc 12:10), e então clamarão: “Deus meu, nós, Israel, Te conhecemos” (Oseias 8:2). A maior bem-aventurança dos que creem sem ver é a porção de todos os que recebem na fé o evangelho hoje, seja judeu ou gentio.
Não podemos render a Deus nenhum tributo que seja mais agradável a Ele do que aquele de recebê-Lo plena e simplesmente por Sua palavra, sem pedir qualquer confirmação por vista ou por sentimento. Como a luz pode ser decomposta nas cores do arco-íris, assim o Nome Divino contém muitas características de igual valor e importância, mas enfatiza especialmente a verdade e confiabilidade de Sua Palavra – “engrandeceste a Tua Palavra acima de todo Teu Nome” (Sl 138:2). Vendo que no princípio o pecado entrou pela descrença na Palavra Divina, quão apropriado é isto! A presente época do evangelho é peculiarmente a época em que os homens creem sem ver – “Ao Qual, não O havendo visto, amais; no qual, não O vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso; Alcançando [recebendo – JND] o fim da vossa fé, a salvação das almas” (1 Pe 1:8-9).
Essa Escritura nos dá um vislumbre da bem-aventurança especial da qual o Senhor falou a Tomé. Ela pode ser nossa, e quanto mais aguçada e simples for nossa fé, mais profunda será a medida que ela será nossa. Que a completa bem-aventurança seja conhecida por cada leitor dessas linhas.

sábado, 14 de setembro de 2019

JOÃO 19


JOÃO 19


No primeiro versículo deste capítulo, a palavra “pois” deve ser notada. Pilatos já havia pronunciado o veredicto “Não acho n’Ele crime algum” quanto a Jesus, mas porque os judeus clamavam por Barrabás e O rejeitavam, ele O levou e O açoitou. Todas as tentativas de exibição da justiça humana comum foram jogadas ao vento, todas as decências públicas foram ultrajadas. Tomando a sentença do juiz como liberação para a sua ação, os soldados prosseguiram com o caso com suas maneiras brutais. No entanto, a mão de Deus estava tão acima de Pilatos que uma segunda e ainda uma terceira vez ele foi obrigado a pronunciar sobre o Senhor o veredicto “Não acho n’Ele crime algum”. Esta foi uma proclamação muito mais extensa do que se ele tivesse simplesmente declarado que Ele não era culpado das específicas ofensas alegadas contra Ele. Ele tentou jogar o ônus da sentença de morte sobre os judeus. No entanto eles o rejeitaram declarando que Sua reivindicação de ser o Filho de Deus exigia a morte de acordo com a lei deles.
Eles disseram que Ele deveria morrer porque disse que era o Filho de Deus, enquanto exigiam que Pilatos O condenasse porque Ele disse que era o Rei de Israel. No início do evangelho, ouvimos Natanael O reconhecendo destas duas maneiras, como nós, graças a Deus, O reconhecemos hoje. Mas por essas duas acusações Ele foi condenado.
A observação do evangelista no versículo 8 lança grande quantidade de luz sobre a situação no que diz respeito a Pilatos. A história secular nos informa que ele severamente contrariou os judeus nos primeiros anos de seu governo e, portanto, temia irritá-los ainda mais. No entanto, ele estava convencido da inocência do Prisioneiro, cuja postura serena o deixava ainda mais desconfortável. A acusação referente ao “Filho de Deus” gerou temores que provavelmente eram supersticiosos, mesmo assim poderosos, e que suscitaram a pergunta: “Donde és Tu?”
Se essa pergunta tivesse surgido de um verdadeiro exercício espiritual, o Senhor, sem dúvida, a teria respondido, como fez com os dois discípulos quando Lhe perguntaram: “Onde moras?”, no primeiro capítulo deste evangelho. Como a pergunta foi motivada pela superstição e medo, o Senhor não lhe deu resposta. Isso levou Pilatos à ameaçadora afirmação do poder sobre a vida e a morte que ele possuía sob César. A resposta do Senhor, evidentemente, aumentou os temores de Pilatos – pois o Prisioneiro assumiu calmamente a posição judicial e, com um ar decisivo, direcionou Pilatos para um Poder superior ao de César como a verdadeira Fonte de qualquer autoridade transitória que ele possuísse, e também julgou o grau de culpa ligado a ele mesmo e aos líderes judeus, respectivamente. A desesperada intenção estava com os judeus e Pilatos era apenas a ferramenta deles. Ainda assim, embora menos culpado do que eles, ele era definitivamente um homem culpado. Foi uma situação perturbadora para Pilatos, que se viu sem saber o que fazer na presença do Verbo que Se fez carne. Qual foi então a resposta à pergunta pendente de Pilatos? Que Jesus certamente era mesmo “de cima”, vindo da Fonte da autoridade de Pilatos.
Esse episódio aumentou muito o desejo de Pilatos de libertar Jesus, mas os judeus habilidosos sabiam como exercer uma pressão decisiva. Em vista da tensão anteriormente existente entre ele e os judeus, ele só podia considerar o clamor deles, registrado no versículo 12, como uma ameaça direta de perder seu cargo diante de César se ele soltasse Jesus. Os próprios líderes judeus “amavam mais a glória dos homens do que a glória de Deus” (Jo 12:43); Pilatos tinha muito mais consideração pelo louvor de César do que pelo julgamento de acordo com a verdade e a justiça.
Ele fez, no entanto, mais um apelo. Em João 18:31, vimos ele fazendo uma sugestão calculada para apelar ao orgulho nacional deles; novamente no versículo 39, ele fez uma pergunta, apelando ao costume deles. Agora, em nosso capítulo, versículos 13 e 14, ele faz um apelo ao sentimento deles. Tudo, no entanto, foi em vão no que diz respeito ao seu desejo de despojar-se da responsabilidade de pronunciar julgamento contra o Senhor. Tudo foi ordenado para que a culpa dos judeus e, mais especialmente, dos principais dos sacerdotes, fosse proclamada de uma maneira cabal pelos próprios lábios deles. Eles coroam seu clamor: “Este não, mas Barrabás”, com a afirmação: “Não temos rei, senão o César”.
A predição de Oseias foi: “Os filhos de Israel ficarão muitos dias sem rei e um príncipe” (Os 3:4). As duas tribos tinham os reis da linhagem designada por Deus e as dez tribos tinham príncipes de sua própria escolha. Oseias declarou que em breve eles não deveriam ter nenhum dos dois. Mas, como se isso não bastasse para esses homens maus, eles agora deliberadamente aceitavam o despotismo[1] dos gentios. Eles apelaram para César e, sob o calcanhar de ferro[2] de uma sucessão de déspotas, Deus achou por bem deixá-los. Por dezenove séculos, os dois nomes, Barrabás e César, podem servir para resumir a história de miséria dos judeus. O espírito de ausência de lei e de insurreição da humanidade havia sido encabeçado em Barrabás: a ordem que é imposta pela poderosa autocracia[3] foi expressa em César. Por dezenove séculos os judeus sofreram; Em um primeiro momento sob a crueldade organizada das autoridades e, depois, sob as turbas desorganizadas, sendo moídos, por assim dizer, entre a pedra de moinho superior e a inferior. Eles ainda precisam sofrer sob as últimas formas de César e Barrabás, o que se provará ser numa forma pior do que a primeira.
Quando Pilatos trouxe Jesus para fazer seu último apelo, ele se assentou no tribunal no lugar chamado Litóstrotos, o que indicava que ele estava prestes a pronunciar a sentença do caso. João faz uma pausa aqui para nos indicar sobre o horário, que está registrado no versículo 14. O fato de que há uma aparente discrepância entre o horário dado aqui e aquele dado tão claramente em Marcos 15:25, tem ocasionado muita discussão e controvérsia. Não podemos deixar de perguntar: Se Ele foi crucificado na hora terceira, como podia ser dito que Pilatos deu a sua sentença na hora sexta? A solução parece ser que o nosso evangelista, lidando com o que aconteceu diante do juiz romano, usa o cálculo de tempo romano, que era similar ao nosso, enquanto Marcos o calcula de acordo com o costume judaico. Já que isso é assim, tudo é simples. Era cerca de seis horas da manhã quando o julgamento de Pilatos chegou ao fim e cerca de nove horas da manhã, quando Jesus foi crucificado. A “preparação da Páscoa” durava 24 horas, começando às 6 horas da noite anterior. Nessas 24 horas estavam compreendidos os eventos mais tremendos do tempo, ou na verdade, da eternidade.
Em nosso evangelho nada é dito quanto ao escárnio adicional dos soldados romanos, quando Ele foi entregue a eles, pois estas eram nada mais do que as ações grosseiras dos pagãos que vinham à tona. O que nos é dito no versículo 16 é que Pilatos O entregou “a eles”, isto é, aos principais dos sacerdotes e os servos, dos quais o versículo 6 tinha falado. Eles eram seus perseguidores e acusadores. A animosidade estava com eles. Eles eram os que odiavam tanto a Ele como a Seu Pai. Pilatos O entregou nas mãos deles para que pudessem perpetuar o seu maior pecado, entregando-O para ser executado pelos gentios.
Como os outros evangelhos mostram, o Senhor usou expressões tais como “tome a sua cruz” (Mt 16:24 – TB) e “carrega a sua cruz” (Lc 14:27 – TB), como figurativo do fato de que Seu discípulo deve estar preparado para ser condenado à morte pelo mundo. A força completa dessa figura é vista aqui, pois “levando Ele às costas a Sua cruz, saiu para o lugar chamado Caveira”. O lugar recebeu o nome por causa da configuração peculiar da rocha, mas é significativo por tudo isso! Uma caveira fala do fim humilhante de todo o poder e glória do homem. Alguns homens podem ter tido um cérebro brilhante e poderoso como nunca existiu; mas ele se transformou em uma caveira! O Filho de Deus aceitou o julgamento de morte como vindo das mãos do homem, e Ele a carregou para um lugar que estabelecia simbolicamente o fim de toda glória do homem.
Além disso, Ele aceitou a morte das mãos dos homens em sua forma mais vergonhosa. A crucificação foi peculiarmente uma morte de repúdio e vergonha. Como uma invenção romana, expressava o arrogante desprezo com o qual levavam à morte os bárbaros conquistados, pregando-os como se fossem vermes. Para esse tipo de morte Jesus foi entregue pelos líderes dos judeus. João nos dá a mais breve e simples declaração desse tremendo fato. O Senhor da glória foi crucificado. Esse fato não precisa de embelezamento de nenhum tipo.
Mas quando isso aconteceu, Pilatos interveio, escrevendo um título e o colocando na cruz. Parece que nenhum dos evangelistas cita cada palavra do título, embora João esteja mais próximo em fazê-lo. Na íntegra parece ter sido: “Este é Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus”. No que diz respeito aos judeus, esse ato de Pilatos foi definitivamente provocativo e tinha essa intenção. Eles o pressionaram na condenação de Jesus e ele retaliou com uma declaração pública de que o odiado Jesus Nazareno era o Rei dos judeus. Esta era a última coisa que eles queriam admitir, daí o protesto deles. Mas aqui Pilatos foi inflexível. Ele se recusou a alterar um jota[4] ou til[5], e sua curta resposta, “O que escrevi, escrevi”, tornou-se quase proverbial.
Em tudo isso podemos ver a mão de Deus. O Verbo havia Se tornado carne e habitou entre nós. Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito. Ele era conhecido entre os homens como Jesus Nazareno – um título de menosprezo. Quando Ele entrou em Jerusalém, uma semana antes, houve algum testemunho de Sua glória, e se não houvesse, as próprias pedras teriam imediatamente clamado – assim nos diz Lucas. Mas aqui, de fato, não havia testemunho humano, e assim um pedaço de tábua, inscrito pela mão de Pilatos, ou por sua ordem, clamava que o desprezado Jesus Nazareno era de fato o Rei dos judeus. É notável como nosso próprio Senhor adotou o título de vergonha, e o teceu como uma coroa para Sua fronte quando ressuscitado e glorificado. É um fato surpreendente que JESUS NAZARENO ESTÁ NO CÉU – veja Atos 22:8.
O título foi escrito nos três idiomas predominantes daquela época. Hebraico, a língua na qual a Lei de Moisés surgiu, a linguagem da religião. Grego, a língua da cultura gentia. Latim, a linguagem do imperialismo gentio. Desta maneira representativa, o mundo inteiro estava envolvido em Sua morte.
No versículo 23, os soldados romanos aparecem como instrumentos de Sua morte, e também como cumprindo profecias que estiveram na Escritura por cerca de mil anos e das quais nada sabiam. No Salmo 22, Davi previu a divisão de Suas vestes entre eles e a sorte sendo lançada sobre Sua túnica. Essas duas coisas fizeram os quatro soldados e João registrou as circunstâncias que levaram a um tão exato cumprimento. Sua túnica era sem costura, toda tecida de alto a baixo. Coisas que para nós podem parecer triviais levam ao cumprimento da Palavra de Deus.
Não podemos deixar de pensar, no entanto, que essa característica é mencionada porque tem um valor simbólico. Tudo em nosso Senhor, tanto em relação à Sua Pessoa como à Sua obra, era de uma só peça, toda tecida sem costura. Com o homem em sua condição caída, é diferente. O símbolo apropriado para o homem e sua obra é o avental de folhas de figueira ao qual Adão e sua esposa tinham recorrido depois de terem pecado. Eles costuraram folhas de figueira juntos, e qualquer um que conheça a forma da folha de figueira perceberá quantas costuras deve ter tido. Tudo era uma colcha de retalhos de um tipo elaborado. Deles era o avental de retalhos: D’Ele era a túnica sem costura.
Naquela túnica, Jesus apareceu diante dos homens, o símbolo de Sua perfeição e não deveria ser rasgado. É notável que João apenas fale dessa túnica, dizendo que foi tecida “de alto a baixo”, pois, ao contrário dos outros evangelhos, ele omite qualquer menção ao véu no templo que “se rasgou em dois, de alto a baixo”. Tudo sobre o Senhor testificou do fato de que Ele veio de cima e estava acima de tudo. E o golpe que na hora de Sua morte colocou de lado a velha ordem das coisas também veio do alto.
Os versículos 25-27 são particularmente impressionantes como ocorrendo neste evangelho, escritos como se fossem declarar Sua glória divina para que pudéssemos acreditar que Ele é o Cristo, o Filho de Deus. Ao vê-Lo assim, poderíamos supor que tais coisas inferiores, como as relações humanas, seriam desconsideradas. Mas é exatamente o oposto. Por todo o evangelho, notamos como a realidade da Sua Humanidade é enfatizada. Toda perfeição humana alcançou sua plena manifestação n’Ele e, portanto, vemos a afeição relacionada com os vínculos familiares humanos totalmente manifestada, mesmo na hora de Sua mais profunda agonia. A hora chegou quando as palavras do idoso Simeão a Maria foram cumpridas – “uma espada traspassará também a tua própria alma”. A espada de Jeová, segundo Zacarias, estava para se levantar contra o verdadeiro Pastor de Israel, mas uma espada de outro tipo também traspassaria a alma de Sua mãe, e o Pastor pensava nisso.
Apenas nove palavras foram ditas – cinco para Maria e quatro para João; mas o significado delas era claro, e formaram um acorde de amor que encontrou uma resposta imediata. Jesus confiou Sua mãe ao discípulo que Ele amava e quem, no conhecimento de Seu amor, amava em retorno. O amor pode ser confiável, especialmente quando não é mero afeto humano, mas divino em sua fonte, como brotando da apreciação do amor de Jesus.
No versículo 28, recebemos outro daqueles lampejos de onisciência que caracterizam este evangelho. Alguns versículos antes vimos os soldados cumprindo as Escrituras, embora totalmente inconscientes de que estavam fazendo isso. Agora vemos o próprio Jesus naquela hora de trevas inspecionando todo o campo da profecia, e bem consciente de que, de todas as predições centradas em Sua morte, apenas uma permanecia para ser cumprida. No Salmo 69, Davi escreveu: “Na Minha sede Me deram a beber vinagre”. Uma coisa pequena em si mesma, mas cada palavra de Deus deve ser cumprida em sua época, e somos informados de que naquela hora de sofrimento Ele foi capaz de elevar-Se acima de Suas circunstâncias e não apenas discernir a única coisa que faltava, mas também proferir as palavras que imediatamente fizeram com que isso se cumprisse. Nenhum mero homem poderia ter feito uma ou outra coisa.
O mais notável é que, pouco antes de ser crucificado, os soldados Lhe deram vinagre misturado com fel e mirra, mas Ele não o aceitou, como registrado em Mateus e Marcos. Isto foi sem dúvida porque Ele não teria nada de qualquer dispositivo humano para diminuir o sofrimento físico envolvido, e também porque naquele momento não havia sede da Sua parte. As previsões divinas devem ser cumpridas com exatidão e precisão.
João não faz menção das três horas de trevas, nem do abandono com o amargo clamor que isso suscitou, previsto no primeiro versículo do Salmo 22. Essas coisas não ilustram particularmente a Deidade de Jesus, sobre a qual o Espírito de Deus o levou a colocar tal ênfase. O que ilustrou foi o triunfante clamor com grande voz com o qual Sua vida terrena se encerrou. O Salmo 22 termina com as palavras “Ele o fez”, o que equivale no Novo Testamento a: “Está consumado”. Ele havia chegado ao mundo com pleno conhecimento de tudo o que Lhe havia sido confiado pelo Pai: Ele agora estava deixando o mundo no pleno conhecimento de que tudo havia sido cumprido; não faltava nada. O profeta previu que Jeová deveria “fazer de Sua alma uma oferta pelo pecado” (JND), e isso foi realizado. Como consequência, a fé pode agora pegar a linguagem de Isaías 53:5, e torná-la sua, assim como o remanescente arrependido de Israel irá adotá-la em um dia vindouro.
Nisso também nosso Senhor era único. Tem havido servos de Deus que, como Paulo, puderam falar com confiança de terem concluído sua carreira, mas ninguém ousaria afirmar que haviam dado o toque final à obra em suas mãos; eles na verdade entregaram a obra àquele que deveria sucedê-los. A Sua obra foi exclusivamente Sua, Ele a levou à perfeita conclusão. Ele poderia avaliar sua própria obra e declará-la consumada. Todos os outros têm que humildemente submeter sua obra ao escrutínio e veredicto divino no dia vindouro.
Tanto Mateus e Marcos nos dizem que depois de clamar com uma voz alta, Jesus expirou. Parece que Lucas e João nos deram uma parte dessa última declaração. Se assim for, deve ter sido: “Está consumado; Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito”. A primeira parte serve para enfatizar Sua Deidade, de modo que João a registra: a segunda enfatiza Sua perfeita Humanidade, em Sua dependência de Deus, de modo que Lucas a registra. Fiel também ao caráter de seu evangelho, João narra o próprio ato de Sua morte de uma maneira especial – “Ele entregou o Seu espírito” (JND). O homem sábio do Velho Testamento nos disse: “Nenhum homem há que tenha domínio sobre o espírito, para reter o espírito; nem tem poder sobre o dia da morte” (Ec 8:8), mas aqui está aqu’Ele que tinha esse poder. Ele é capaz de um momento erguer Sua voz com força inabalável, e no momento seguinte entregar Seu espírito, e assim cumprir Suas próprias palavras registradas em João 10. Verdadeiramente, ali Ele falou em dar Sua “vida” ou “alma”, dizendo: “Ninguém ma tira de Mim, mas Eu de Mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la”. Mas as duas afirmações estão inteiramente de acordo, pois todos sabemos que quando o espírito humano deixa o corpo, a vida de um homem na Terra cessa. Quando Deus chama o espírito do homem, ele se vai. Aqui está Alguém que tem pleno comando sobre o Seu espírito; Ele o entregou ao Seu Pai e assim deu a Sua vida.
Encontramos no próximo capítulo que, depois de ter dado Sua vida, Ele a tomou novamente em ressurreição. O restante de nosso capítulo está repleto de várias atividades de homens, alguns deles Seus inimigos e alguns Seus amigos, mas todos trabalhando juntos para o fim de que o determinado conselho de Deus fosse cumprido, exatamente como Ele havia falado em Sua palavra.
Primeiros na cena estavam os judeus, os homens que eram Seus mais implacáveis inimigos. Eles eram grandes defensores do lado cerimonial das coisas e o Sábado da Páscoa era um dia de grande santidade aos olhos deles. Eles não podiam entrar na sala da audiência a fim de não se contaminarem, como vimos no último capítulo. Agora vemos a ideia de que os cadáveres de homens, por eles estimados como malfeitores, permanecer expostos à vista dos homens e do céu naquele dia era abominável para a alma ritualística deles. Eles estavam certos, pois assim tinha sido ordenado em Deuteronômio 21:23, mas esse era o tipo de preceito que eles amavam observar, enquanto negligenciavam questões de maior importância. Assim, a partir deles veio o pedido de que a morte pudesse ser apressada pela quebra das pernas, tão indiretamente eles fizeram sua parte em trazer o cumprimento de outra das muitas previsões que estavam focadas naquele grande dia em que Jesus morreu.
Poderíamos supor que a vida com o Senhor teria se prolongado muito além das outras, mas, na verdade, foi o oposto, justamente porque Ele deliberadamente entregou Sua vida. Se Ele não tivesse feito isso, o ato do homem ao crucificá-Lo não teria tido poder contra Ele. É significativo também que João não designe os dois homens como ladrões ou malfeitores; eles eram “outros dois” (v. 18). Não há necessidade de mencionar sobre o caráter particularmente ruim deles para aumentar o contraste. A grandeza do Filho Divino é tal que basta dizer que eles eram dois outros homens.
A ordem de Pilatos para os soldados, pela insistência dos judeus, teve dois efeitos. Primeiro, enquanto os outros dois tiveram as pernas quebradas para apressar o seu fim, nenhum osso de nosso Senhor foi quebrado, e assim a Escritura foi cumprida. A referência foi ao Salmo 34:20, e às instruções dadas quanto ao cordeiro pascal em Êxodo 12, e repetidas em Números 9. É digno de nota mostrar como o Espírito de Deus identifica plenamente a figura do cordeiro com o seu Antítipo, na medida em que o que é dito da figura é tratado como aplicado ao Antítipo. Com isto concordam as palavras de Paulo em 1 Coríntios 5, quando ele diz: “Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós”.
Em segundo lugar, houve o ato cruel e vingativo do soldado com a lança. Vendo que Jesus estava morto e, portanto, ele não tendo autoridade para quebrar seus ossos, furou com uma lança no Seu lado. Ele fez isso sem o menor entendimento do efeito significativo de seu ato. Mais uma vez, porém, aquilo que estava no conselho Divino foi levado a efeito e uma Escritura encontrou seu cumprimento. O profeta Zacarias havia declarado que finalmente o espírito de graça e de súplicas deveria ser derramado sobre a casa de Davi e os habitantes de Jerusalém, “e olharão para Mim, a Quem traspassaram” (Zc 12:10). Observe aqui como o ato do oficial subordinado é tratado como sendo o ato daqueles cuja determinação e vontade estava na raiz de tudo o que aconteceu. O soldado romano era apenas o instrumento dessa iniquidade e, no dia vindouro, o remanescente arrependido de Israel reconhecerá isso como o ato de sua nação. Não reconhecemos ainda hoje que o golpe com a lança tenha sido a expressão terrível do ódio do homem e da rejeição desdenhosa contra o Filho de Deus?
Mas o evangelista concentra especialmente nossa atenção no resultado desse ato brutal – “logo [imediatamente – JND] saiu sangue e água”. Quando, no versículo 35, ele afirma solenemente a veracidade de seu registro, para que a fé possa brotar no leitor, é a isso que ele se refere. Em primeiro lugar, este ferimento no Seu lado demonstrou publicamente que a morte realmente aconteceu. Em segundo lugar, por ele, Seu sangue foi realmente derramado, e temos apenas que lembrar que “sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb 9:22), para perceber a importância desse fato. Em terceiro lugar, sabemos o que os resultados graciosos e abençoados fluem para nós individualmente quando a nossa fé alcança e repousa no Cristo que morreu e no sangue que Ele derramou. Portanto, não nos surpreendemos com a forte afirmação de João sobre a verdade de seu testemunho.
Mas a água veio, assim como o sangue, e fazemos bem em estudar o significado disso, pois João repete isso em 1 João 5, onde lemos que Jesus Cristo veio “por água e sangue”, e é enfatizado que foi “não só por água, mas por água e por sangue”. Se o sangue fala de expiação judicial, a água fala de purificação moral, e ambos são absolutamente essenciais e só podem ser encontrados na morte de Cristo. Há sempre uma tendência a separar os dois. Quando João escreveu, a tendência era enfatizar a água e ignorar ou menosprezar o sangue, e essa tendência ainda é poderosamente sentida, pois há muitos que gostam de pensar em Sua morte como tendo um efeito moral sobre nós, enquanto eles não gostam do pensamento da morte pagando o salário do pecado e, assim, efetuando a expiação. É bem possível, é claro, encontrar o extremo oposto naqueles que não reconhecem nada além do sangue derramado por nossos pecados, e assim negligenciam a necessidade daquela limpeza moral da qual a morte de Cristo é a base totalmente essencial.
É notável também que no evangelho temos o registro de João quanto ao fato, enquanto em sua epístola tanto a água como o sangue são considerados como testemunhas, juntamente com o Espírito. Eles testemunham “que Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está em Seu Filho”. Sangue e água saíram do Cristo morto. O Espírito foi derramado do Cristo ressuscitado e glorificado. Juntos, eles confirmam que, enquanto não há vida em nós, temos a vida eterna no Filho de Deus.
José de Arimateia aparece agora no exato momento em que pode servir ao propósito de Deus. Ele é mencionado em cada um dos evangelhos, e cada um nos fornece alguns detalhes específicos sobre ele. Mateus nos diz que ele era rico e discípulo. Marcos o chama de ilustre membro do sinédrio (ARA) que esperava pelo reino de Deus. Lucas diz que ele era um homem de bem e justo e que não consentiu com o conselho e a ação da grande maioria do sinédrio em condenar Jesus à morte. João admite que ele era um discípulo, mas oculto por medo dos judeus. Então, aparentemente, ele estava em uma posição semelhante à dos fariseus, que são mencionados em João 12:42-43. Ainda assim, maravilhoso dizer, nesta hora mais sombria, quando tudo parecia desesperadamente perdido – como testemunha a atitude dos dois discípulos indo para Emaús (Lucas 24) – José encontrou coragem e foi a Pilatos com o seu pedido para ter posse do corpo de Jesus. Marcos é quem nos diz que foi ousadamente a Pilatos, e a decisão do governador foi suplantada por Deus. Isaías havia declarado que ele deveria estar “com o rico na Sua morte”, embora o sepulcro que Lhe fora designado era com os ímpios. Os judeus não desejariam nada melhor do que Ele ser atirado violentamente sob um monte de pedras com os corpos dos malfeitores. Mas Deus cumpriu Sua própria palavra, primeiramente por meio da súbita ousadia de José, e então por meio da disposição de Pilatos de impedir os judeus por causa de sua irritação com eles. Deus tem influência em todos os lugares, e todas as coisas servem ao Seu poder.
Neste ponto, Nicodemos aparece novamente. Mencionado em nenhum outro lugar, ele é mencionado três vezes em nosso evangelho. Primeiro o vemos como um questionador, mas precisando ser humilhado e trazido de seu alto estado como fariseu, mestre e governante em Israel. Ele deve nascer de novo. No final do capítulo 7, o encontramos levantando uma leve objeção ao mau conselho e ações do sinédrio, e defendendo o que é certo, e sendo desprezado por sua crítica. Agora o encontramos dando um passo adiante se antecipando. Ele se identificou com Jesus em Sua morte mais definitivamente do que jamais fizera durante a Sua vida. Ele também deve ter sido rico, a julgar pela quantidade de especiarias que ele trouxe. A crise, que havia paralisado os homens que haviam se identificado ousadamente com o Senhor em Sua vida e ministério, havia estimulado esses homens tímidos e cautelosos, que até então não tinham sido reconhecidos, em ousadia e ação. Verdadeiramente a onipotência tem servos em toda parte!
Um outro ponto permanece no final do capítulo. Perto do local da crucificação havia um jardim e um túmulo na rocha. Somente Mateus nos diz que era o próprio túmulo de José; ele também diz que era novo; Lucas e João são mais enfáticos a esse respeito, dizendo que nenhum homem antes esteve ali. Foi predito por meio do salmista que Jeová não permitiria que Ele visse corrupção, como lemos no Salmo 16:10 “nem permitirás que o Teu Santo veja corrupção”. Isso significa que o corpo santo de Jesus, apesar de sofrer a morte, não foi de modo algum tocado pelo processo de desintegração e corrupção, como todos sabemos. Mas também significava que Seu corpo não deveria entrar em contato com isso externamente. Quando Deus cumpre a Sua palavra, Ele o faz com perfeição e plenitude.
Assim, como dissemos, quando o Filho Divino sofreu, a mão da Onipotência ofuscou todos os homens e todas as coisas, de modo que tudo o que Ele havia declarado por meio dos homens santos do passado pudessem acontecer. O conselho do Senhor permanecerá.


[1] N. do T.: Sistema de governo baseado no poder absoluto arbitrário de um monarca ou ditador.
[2] N. do T.: Calcanhar de ferro era um instrumento de tortura usado na antiguidade.
[3] N. do T.: Autocracia é o sistema político em que um só indivíduo exerce esse poder como governante e pode assumir as formas de despotismo, tirania, ditadura, oligarquia, autarquia ou monocracia.
[4]  N. do T.: “Jota” – Refere-se à letra hebraica “ י ” (yod), a menor no alfabeto hebreu (Mt 5:18). A palavra usada é “jota”, que é a palavra grega equivalente para a mesma letra. “Concise Bible Dictionary”, pág. 454.
[5]  N. do T.: “Til” – Suposto como se referindo ao menor sinal no alfabeto hebreu que serve para distinguir uma letra de outra, como “ ב ” diferencia-se de “ כ. ” – O menor ponto da lei deve ser cumprido. Mateus 5:18; Lucas 16:17. “Concise Bible Dictionary”, pág. 776.